Arqueologia Cristã e História da Igreja





Vida dos primeiros cristãos segundo os dados arqueológicos

• Notas gerais. Os dogmas.
• Os sacramentos, especialmente o Batismo e a Eucaristia. 
• As celebrações litúrgicas.

 

Características gerais
O cristianismo se expandiu muito rapidamente no Império Romano. Essa expansão foi apoiada na correspondência dos apóstolos e também causas mais ou menos desfavoráveis das quais se serviu a providência divina.
 
  •  A facilidade de comunicações e a relativa paz interna do Império Romano, além da unidade linguística (grego e latim).
  • As próprias perseguições: Os cristãos buscam lugares onde possam exercer com paz a sua fé e se deslocam a regiões distantes.
  •  Os mártires, que foram sementes de cristãos. Os martírios são, sem sombra de dúvida, o que há de mais conhecido e de mais impressionante sobre os 1os. Cristãos. O sangue de tantas e tantos, derramado por Cristo é um exemplo inigualável em toda a História da Humanidade. Porém temos de fugir do perigo de estereotipar o cristianismo primitivo, a ponto de praticamente identificar, nesses 1os. Séculos, os conceitos de cristão e de mártir, ou de pensar que o único testemunho que realmente deram foi o da entrega da vida em defesa da fé. (Se todos tivessem morrido, ninguém teria restado para contar a história). É preciso ter em contar que a grande maioria dos cristãos tinha uma vida comum e morria de causas naturais e que era igualmente exemplar em sua vida cotidiana.
  • Deve-se fugir do estereótipo que retrata o cristão primitivo como alguém que vivia a vida inteira refugiado nas catacumbas, como uma ave noturna. As catacumbas, repetimos, eram cemitérios e não esconderijos e, menos ainda, lugar de residência permanente dos cristãos. É verdade que muitas vezes serviram de asilo momentâneo à Igreja nascente e asseguraram um abrigo ao culto cristão, seria absurdo fazer delas o único quadro da existência dos cristãos nos primeiros séculos de nossa era. Ao reconstruirmos o seu modo de vida e o ambiente em que se desenvolviam, é muito mais realista retrata-los como gente normal, de vida normal, à luz do dia, no rumor das praças, no alegre aconchego familiar, no seu ambiente de trabalho e de descanso, participando das mesmas tarefas e anseios de seus cidadãos.  Quem não quiser trabalhar, que não coma, dizia São Paulo.
  • No principio a fé cristã arraigou principalmente entre pessoas de condição humilde: tintureiros, sapateiros, tosquiadores, soldados de tropa, escravos. Isso se deduz por inscrições nos cemitérios cristãos, por exemplo:No Cemitério de Domitila: Crescencio era capsarius, ou seja, encarregado do guarda-roupa das termas de Caracalla.  No Cemitério de Priscila: uma pintura de um sepulcro representa oito bodegueiros trabalhando nas tarefas de seu oficio. Um auriga (condutor de quadriga) na via Salária nova. Outras: padeiros, ferreiros, tecelões, alfaiates, marmoristas, mineiros, vendedores de remédios, hortelãos, criadores de porcos, barbeiros. Inclusive um confeiteiro e um mulomedicus veterinário.
  •   São frequentes, porém, as indicações de profissões elevadas, como a de Dionísio médico e padre, mas também de ocupações humildes, dos pobres "banausòi", "operários", desprezados pelos sábios do paganismo.

 

  • Em São Calisto temos o hortelão Valério Pardo que traz na mão esquerda um maço de hortaliças e na direita a foice; Márcia Rufina, a digna patroa, a quem Segundo Liberto coloca uma inscrição com o símbolo da oficina: um martelo e a bigorna. Num arcossólio a vendedora de hortaliças senta-se entre seus maços de verdura, etc. A religião do Artífice de Nazaré tinha dignificado o trabalho. As inscrições e pinturas, supérstites a tantas devastações e depredações, revelam esse segredo, ao menos em parte, e ainda repetem as palavras de um antigo epitáfio cristão: "Tàuta o bìos": "Esta é a nossa vida". Somente eram-lhes proibidas as profissões imorais ou idólatras: escultor ou pintor de ídolos, adivinhos, guardas de templos, prostitutas.
  •  Os dogmas (nc 1 junho 73 pg. 40) Onde quer que houvesse cristãos “participavam, expressavam e transmitiam uma só doutrina, com a mesma alma, um só coração com idêntica voz”. Tertuliano falando aos cristãos da África a respeito de seus irmãos do Oriente: “eles e nós temos uma mesma fé, uma mesma esperança, um mesmo batismo e a mesma Igreja”. Apesar de que no século II já haja apologistas, é a partir do século IV que começa a haver mais heresias. Cessam as perseguições, mas começa uma prova mais perigosa. Buscaram-se em inscrições, referências aos dogmas de nossa doutrina. Aparecem, como é lógico, referências à fé na ressurreição dos corpos, ao Juízo, a Cristo Redentor, invocações à Santíssima Trindade e outras mais ou menos de caráter escatológico. Mas são inscrições de não antes do século IV, o que faz que não suponham nenhum valor para a história dos dogmas, ao conhecer-se outra literatura certamente mais valiosa.

 

  • BATISMO e CONFIRMAÇÃO. As referências ao Batismo são muito veladas antes do século IV. São frequentes GRATIAM ACCEPIT e isolados verbos PERCEPIT, SVSCEPIT, CONSECVTVS EST. No século IV fala-se de NATVS. Não estamos ainda no tempo em que serão erigidos edifícios esplêndidos para honrar esse Sacramento (p. ex. o Batistério do Latrão). O Batismo ainda era conferido nas domus Ecclesiae, as casas de família, e não raramente em segredo. A grandeza do sacramento, porém, era conhecida. Paulo havia falado dele com termos grandiosos justamente na Carta aos Romanos (c. 6). Os cristãos sabiam que através do rito batismal, o homem morre e ressurge misticamente com Cristo, e é associado à vida divina pela eficácia desses atos redentores. Muitos cristãos, "alcançados por Cristo" (Fl 3,12) após angustiantes experiências interiores, sentiam que o momento do Batismo marcara o início de uma vida nova. De aqui o nome que se lê numa lápide da Trícora de São Calisto, nome que depois se tornou tão comum na Cristandade: "Renatus": "Nascido de novo!". As alusões ao sacramento da Confirmação anteriores ao século IV, são muito duvidosas, e ainda depois os termos “unctio” e “consignatio, consignari” se unem quase sempre a fórmulas batismais. A razão de tudo isso, de acordo com os textos literários, parece simples: a Confirmação se administra imediatamente depois do Batismo e fica na breve lápide funerária oculta por ele.
  •  EUCARISTIA. Os textos que se referem à Eucaristia são raríssimos e todos de data muito incerta, tanto que podem chegar até o século V. Este fato contrasta de modo singular com a profusão de símbolos eucarísticos presentes em todas as catacumbas. A razão disso permanece no mistério, mas pode-se pensar que a recepção do Corpo de Cristo e a assistência ou celebração do Santo Sacrifício já é algo suposto no cristão e não parece lógico mencioná-lo na lápide que cobre a sua sepultura.
  • MATRIMÔNIO Os textos em que aparece a palavra MATRIMONIVM. Porém, as palavras SPONSAE, NVPTAE, MARITO, COMPARE, VXORE, CONIVGI, VIRO, etc. sim aparecem com frequência nas lápides. É um fato que parece lógico, se pensarmos que numa inscrição funerária, a referência ao matrimônio necessariamente fica limitada a expressar a condição do defunto ou da defunta, ou de quem dedica a lápide comemorativa. nc  ago73 – pg 40