As sepulturas dos mártires


Existem dados literários extra arqueológicos contidos em atas, paixões, calendários, itinerários, Sacramentários, etc. que dão referências locais da situação dos restos dos mártires. Neste caso, pode-se dizer que a busca está dirigida e aqueles achados da escavação possuem uma interpretação preferível a qualquer outra: a que concorda com testemunhos já conhecidos. Se, ao se encontrar uma tumba, aparece nela uma inscrição que determina o nome de quem foi enterrado ali, a pesquisa sobre o mártir ali depositado termina, como é óbvio; mas esta circunstância raramente se dá na realidade, na maioria dos casos o que se encontra são indícios.
Uma primeira norma da interpretação e investigação destes indícios é: NÃO PEDIR AO MONUMENTO MAIS DO QUE ELE PODE PROPORCIONAR.

Assim, por exemplo, se nos encontramos diante da tumba de um mártir venerado sem nenhuma inscrição que contenha o seu nome, porque nunca a teve, somente encontrar-se-á restos desta veneração, isto é, um maior número de sepultamentos em sua volta, talvez restos de um altar, uma grande marca de fumaça no teto próximo a ela, destruição de outros elementos pelo passar do tempo, etc. 

Os cinco pontos fundamentais da pesquisa diante da tumba de um mártir de modo geral são: 
  1. A presença de uma capela ou basílica erigida sobre ou na proximidade da tumba, assim evidentemente diferenciada. Especialmente nos cemitérios romanos, depois da paz da igreja, construíram-se capelas subterrâneas, escadas e rampas de aceso, basílicas suspensas, sobre as tumbas veneradas dos mártires. 
  2. A existência de uma inscrição “in situ”. É de capital importância então o conteúdo do texto e o lugar onde se encontra o resto: se foi ali onde se colocou a origem, ou aparece em sua proximidade, como elemento inútil ou de aproveitamento; por exemplo, uma lousa com inscrições, aproveitada para o pavimento como material de preenchimento para alcançar um novo nível; certamente pode haver sido trazido de outro lugar, mas é mais provável que estivesse desde a sua origem, na área onde se encontra. 
  3. Grafites, inscrições dos visitantes sobre as paredes próximas à tumba, com invocações e petições dirigidas ao mártir, ainda que não tenham seu nome. 
  4. Que a tumba se ache rodeada, de uma forma notável, por outras muitas e, ao longo pelo menos uns cem anos. Se foi desejo de muitos ser enterrados o mais próximo possível do corpo deposto na primeira tumba, é sinal certo de sua veneração, mesmo que o motivo desta não fosse o martírio: também pode ser sua fama de santidade e, em não poucos casos, pode tratar-se da sepultura de um “confessor”, aquele que sofreu martírio sem morrer nele, ou terminou sua vida no desterro, depois da perda de seus bens, sua posição social e, não poucas vezes, sua família. É caso especial o daqueles condenados a trabalhar nas minas, numa situação pior que a de escravos, até a morte. 
  5. As pinturas de época mais antigas que possam acompanhar a tumba também são um dado, mas o mais incerto por mais contrário que isto possa parecer. Porque o limite da pintura cristã primitiva se cinge a cenas da Escritura, a ágape, aos orantes, a temas simbólicos, mas quase nunca hagiográficos, faz que o fato de que uma tumba esteja decorada não suponha em principio outra coisa que os meios econômicos e a veneração da família de quem aí está enterrado. 

2. Ritos funerários. O refrigério. Um costume grego, e sobretudo romano, foi o de oferecer sacrifícios e celebração de banquetes perto da tumba dos antepassados em determinados dias do ano ou no aniversário de algum parente morto recentemente: deste costume procedem muitos tipos de construção funerária, desde uma simples superfície lisa sobre o terreno, até verdadeiros triclínios decorados com afrescos, sem esquecer os mausoléus. Os coparticipantes desta celebração começavam pelas libações rituais, derramavam sobre o chão vinho, ou vinho e leite e em algum caso, introduziam comida sólida através de um tubo na mesma tumba, e imediatamente iniciava-se o epulum, o banquete. Isto aconteciam em datas que quase sempre tinha a ver com as colheitas. Este costume foi adotado pelo cristianismo primitivo mas foi carregado de um novo simbolismo e daí a palavra refrigeratio convive até hoje com “repouso”, “quietude”, “paz” em Cristo, quase sempre expressa no simbolismo do peixe, da pomba, etc. Depois da paz da igreja, este rito se degenerou e chegou a ser condenado na época de Santo Agostinho e Santo Ambrósio como abusivo; no ocidente parece desaparecer no século IV e, no Oriente, dura até o século XIII. 

3. O culto aos mártires. As relíquias. O culto aos mártires, em principio, procede do culto geral aos defuntos, mas imediatamente diferenciando a testemunha de Cristo, intercessor diante do Pai dos desejos e necessidades dos vivos. Seus restos são considerados como preciosos e custodiados com zelo; assim começa o culto às relíquias e o desejo de ser enterrado junto a elas. Na metade do século II aparecem os primeiros restos arqueológicos do culto aos mártires – monumento de Gaio – como veremos mais adiante – mas com certeza foi anterior, não sabemos quanto anos, à perseguição de Décio (248-251). Este culto aos mártires se manifestava de duas formas: o cuidado da sua sepultura e os atos litúrgicos em torno de sua relíquias. Já vimos que o adorno das tumbas com pinturas, etc., é comum em qualquer tipo de sepultura. Assim como colocar luzes diante dela, ou flores, ou derramar perfumes, etc. Em troca, somente se faz com um mártir, o costume de tocar a tumba com objetos que depois se conservarão como relíquias, especialmente pedaços de pano, chamados brandea, palliola, sanctuaria e nomina. Dão fé deste costume muitos escritores eclesiásticos, entre eles, São Gregório Magno. 
Ler:  (Daniel Rops I – pg.502) – Tipos de martírios – Rops 1, 393 - Ler