Introdução

ARQUEOLOGIA CRISTÃ



I . Introdução

Definição: Do grego archaios, a, on = antigo. Archaiologia – estudo de antiguidades.

Arqueologia Cristã 
A ciência histórica que estuda os restos monumentais dos primeiros tempos da antiguidade cristã. 
  • Monumento: todos aqueles testemunhos “não escritos” da atividade do homem, neste caso, da atividade do Cristianismo. Também é comum acrescentar à arqueologia aqueles outros testemunhos que podem qualificar-se de “escritos não literários”: lápides comemorativas, funerárias, inscrições realizadas em elementos arquitetônicos e a epigrafia . Resumindo, todo vestígio das atividades dos primeiros cristãos – da Igreja primitiva - que tenha chegado até nossos dias e que não é documentação puramente literária: construções, elementos de culto, elementos funerários, objetos marcados pelo selo cristão, é estudado pela arqueologia cristã. 
    • É interessante levar em conta que a Arqueologia Cristã é uma ciência feita a partir de um fato sobrenatural: a ressurreição de Cristo. Não documenta o que aconteceu, mas a fé, a liturgia, o trabalho e a vida diária daqueles que acreditaram.

Âmbito histórico: Podemos dizer que a arqueologia cristã estuda o que não está claro o suficiente para tornar-se histórico. A Arqueologia estuda marcas, vestígios. Por isso, o limite no tempo do tema da arqueologia cristã é muito variável e diferente nas distintas regiões geográficas, já que o começo da atividade da Igreja, conhecido e devidamente documentado para chamar-se histórico, também varia. Costuma-se apontar o fim do pontificado de Gregório Magno (590-604) como o final desta etapa obscura. A partir daí começou-se a fazer a História da Igreja. Contudo, na história geral da Arte, por exemplo, chamam-se arqueológicos os restos visigodos, mas não os românicos.

Âmbito geográfico: Por outro lado, o âmbito geográfico é mais concreto:
  •  Toda a Europa, incluindo-se as Ilhas Britânicas
  •  Norte da África, que chega do Egito até Assuam
  •  Ásia Anterior, num limite que deve se situar na Mesopotâmia
  •  Índia, hoje quase desconhecida mas na qual, com toda certeza, floresceram comunidades primitivas a julgar pela tradição e por alguns dados literários.

Missão: É missão da Arqueologia Cristã conhecer as manifestações plásticas da fé primitiva e assim contribuir a alcançar uma ideia, a mais precisa possível, sobre o modo de vida e as vicissitudes da história das comunidades cristãs em seus primeiros passos, a partir da época dos Apóstolos.

Expoentes: Como toda ciência histórica, a arqueologia cristã começou a ter um lugar e uma metodologia própria dentro do campo da pesquisa em meados do séc. XIX. No entanto, o renascer humanista do século XVI mostrou-se interessado por esta seção da História do Império Romano, que foi a primeira cristandade. Alguns nomes ilustres desta época: 
  • São Felipe Néri, 
  • São Carlos Borromeu, 
  • Antonio Bosio, o “Colombo da Roma subterrânea”, 
  • André Fulvio 
  • Frei Onovio Panvinio, entre outros. 
Continuam-se os estudos e achados, que são cada vez mais numerosos nos séculos XVII e XVIII. No século XIX começaram os trabalhos sistemáticos de pesquisa, preparados pelo grande número de publicações verificadas nos séculos anteriores. Giovanni Battista de Rossi (1822-1894) é considerado o fundador e pai da verdadeira escola de Arqueologia Cristã.

Método de estudorecuperação, documentação e análise de traços materiais remanescentes da Antiguidade Tardia - na arquitetura, nos artefatos, assim como em restos biológicos e humanos. 

Utilidade da ciência: elucida questões relativas à origem do Cristianismo, à vida dos primeiros cristãos e suas relações com os não cristãos

Fontes: As fontes do estudo da Arqueologia Cristã dividem-se em grandes grupos:

  • Fontes monumentais: constituem o objeto puramente arqueológico, como citado anteriormente e que veremos mais adiante. São as fontes arquitetônicas, iconográficas e epigráficas.
  • Fontes literárias: constituem instrumentos auxiliares, mas necessários para a interpretação dos dados das fontes monumentais. São elas:

a. Textos da Escritura: Somente nos deixam entrever que a Eucaristia se conserva ou, ao menos, que a Santa Missa era celebrada nas casas, segundo uma frase dos Atos dos Apóstolos (Atos. 2,46) Unidos de coração frequentavam todos os dias o templo. Partiam o pão nas casas e tomavam a comida com alegria e singeleza de coração. Além disso, é muito possível, que o Apocalipse contenha a descrição de um templo cristão; mas adiante realizaremos esta análise.

b. Didaché: possivelmente redigida na Síria, antes do ano 150. Este texto foi descoberto no ano 1873 em Constantinopla pelo metropolita Bryennos, num códice do ano 1056. Contem uma descrição da celebração da Santa Missa e de administração do Batismo.

c. Tradição apostólica de Hipólito: O texto original foi perdido e é reconhecido na Constituição egípcia. Foi redigida pelo ano 215 e contem uma descrição da Consagração e funções das diversas ordens eclesiásticas, da celebração da Santa Missa e da administração do batismo.

d. Os Padres Apostólicos
1. Latinos
Clemente de Roma: Carta aos Coríntios, do ano 1996, e uma carta pseudoclementina. Importante para o estudo do ambiente cristão do seu tempo.
Santo Inácio de Antioquia (+156 d.C.): na carta aos romanos testemunha o apostolado comum de São Pedro e São Paulo em Roma.
São Policarpo de Esmirna (+156 d.C.): na carta aos Filipenses enumera os diferentes graus da hierarquia eclesiástica.

2. Gregos do século II
São Justino (+165 d.C.): em suas duas apologias aos imperadores Antonino Pio e Marco Aurélio descreve a liturgia do seu tempo.
• Outros: Quadrado, Aristides, Melitão de Sardes, Apolinário de Gaerápolis, Taciano (Síria) Atenágoras (Atenas), São Teófilo de Antioquia e Ermia, dão noticias soltas das reuniões cristãs. A obra deste última já deve ser do século III.
• Escritores anti-heréticos do século II: Santo Ireneu e a Carta a Diogneto são talvez os mais importantes como auxiliares da Arqueologia

3. Escritores cristãos do século II ao IV
Tertuliano (160-220) descreve o ambiente cristão, especialmente no Ad Nationes e no Apologeticum e contem muitos dados interessantes em suas outras obras.
Minúcio Felix (antes do ano 200?) descreve o ambiente anticristão da época.
Hipólito de Roma (Antipapa de Calixto, 217-222), mais tarde mártir; além da já citada Tradição dos Apóstolos é atribuída a ele a Philosophumena interessante documento histórico dos Papas Zeferino e Calixto.
Orígenes (158-254)
Clemente de Alexandria (morto antes do ano 215)
São Cipriano (+258)
Lactancio (morto depois do ano 317), importante para a história das perseguições em De mortibus persecutorum e Divinae instituciones.
• Na época de paz: Eusébio de Cesárea (morto no ano 339). Importante, não somente por ser o primeiro historiador da Igreja, mas além disso, por transcrever muitos documentos anteriores a ele.
Santo Ambrósio de Milão (339-397), São Jerônimo (342-420), São Damaso (366-384), Santo Agostinho (354-430), São Gregório de Nisa (+394 d.C.), São Cirilo de Jerusalém (+386), São João Crisóstomo (354-407), Corico e João de Gaza (séc.VI), Paulo Silenciario (séc. VI), contém inclusive descrições de edifícios e cerimônias litúrgicas.
• Também há dados interessantes dos poetas cristãos Prudêncio (+405) e São Paulino de Nola (353-431).

e. Escritores Apócrifos
Só a partir do século V é que as histórias apócrifas dos fatos da vida de Jesus e da Virgem começam a influir poderosamente na iconografia. Antes, com certeza, só de maneira bem escassa. Isto nos mostra o cuidado que a Igreja Primitiva teve sobre os livros canônicos.

f. Atas e paixões dos mártires
O processo de um mártir era um ato legal e público diante de um magistrado e um funcionário que anotava as perguntas e respostas do julgamento e, não poucas vezes, registrava os procedimentos da indagação: tormento, ameaças, etc., e as declarações das testemunhas. Estas atas se conservavam em arquivos, sendo possível, sem especial dificuldade, ter acesso a elas.

Algumas destas atas que chegaram até nós parecem autênticas, com certeza copiadas depois da paz de Constantino. Outras, evidentemente são resumos das judiciais, às que se acrescentaram as observações de uma testemunha presencial, vários comentários edificantes ou das circunstâncias do martírio.

No século VI, bom número destas atas foram empregadas pelos escritores eclesiásticos para escrever a história do mártir –PASSIO ¬- cujas relíquias dão nomes às igrejas, basílicas e oratórios; também, muitas destas paixões são totalmente falsas. No entanto, não é raro o caso em que uma passio tida como lendária tenha sido comprovada como autêntica, ao menos em sua origem, pela escavação e estudo da igreja á qual ia unida. Algumas têm um grande valor para a arqueologia, outras não.

g. Calendários
O costume de celebrar com um ato litúrgico – muitas vezes a Santa Missa – o aniversário do martírio de quem selo a fé com seu sangue, originou, desde os primeiros tempos do Cristianismo, a redação de listas relativas a tais aniversários com o nome do mártir, a data de seu enterro –depositio- e o lugar onde repousam seus restos. Estas listas foram chamadas “calendários” ou “martiriológio”.

O calendário mais antigo é chamado Filocaliano pelo nome do seu compositor, Furio Dionísio Filocalo, e também Bucheriano pelo jesuíta que o publicou no século XVII em sua Obra De doctrina temporum. O original formou parte do Cronógrafo romano do ano 354, sendo Filocalo um calígrafo do papa São Dâmaso. A obra é dedicada a um tal de Valentiano, não identificado; começa com uma representação simbólica de Roma, Constantinopla, Alexandria e Tréveris, as maiores cidades do Império. Seguem-se esquemas e tabelas astronômicas para a contagem da Páscoa desde o ano 312 ao 354. Na segunda parte contêm três listas e um índice do calendário. Especialmente importantes são a Depositio episcoporum e a Depositio martyrum.

Um pouco posterior é o Martyrologium Carthaginense, que compreende mártires de Roma, Nápoles, Milão, Espanha, Soissons e Calcedônia.

Por último, são interessantes os calendários de Oxirinco – a. 535 ¬ e de Nápoles – a. 847-877 -, junto a outros posteriores.

h. Martirológios
Listas de mártires contendo muitas vezes só o nome. Outras acrescentam dados de interesse. O más antigo é o Martiriológio Siríaco, tradução do de Nicomedia realizada entre ano de 360 e 411, dele deriva o Martirológio Jeronimiano, o de São Jerônimo, ainda que não é dele; sua redação primitiva parece proceder de Auxerre – França – numa nova compilação do ano 592.

São muitos os dos séculos VIII e X, e, são principalmente interessantes os chamados do “grupo inglês”, que começam pelo de Beda, monge morto em 735; em Oriente e mais tardios são os Sinasarios, listas de santos e mártires, com fórmulas para a celebração litúrgica da sua festa; contem muitas vezes, dados interessantes para a arqueologia.

i. Sacramentários
Coleções de orações “móveis” para a celebração da Santa Missa e de outros dados litúrgicos. O mais antigo com certeza é o Sacramentário Leoniano ou Veronese, compilado, com toda probabilidade em Roma, no século VI utilizando fontes dos séculos IV e V. Serão posteriores o Gelasiano, do século VII e o Gregoriano, do VIII.

j. Catálogo de Pontífices e Bispos
Coleções de biografia de pontífices, quer sejam romanos ou de igrejas locais. Todos foram compilados em datas tardias, empregam materiais de arquivo anteriores e por isso contêm dados muito interessantes, não poucas vezes comprovados pelos restos arqueológicos. O mais importante é o Líber Pontificalis, com biografias desde São Pedro a Martinho V (1431). Parece ser fiel desde o século V (Anastácio II, 496-498) mas não são desprezáveis os dados de datas anteriores contidos nele.

k. Itinerários
São verdadeiros guias turísticos e crônicas das viagens dos peregrinos a Roma e à Terra Santa. Do século IV, o Itinerarium Burdigalense descreve uma viagem desde Bordeaux a Jerusalém e sua volta por Roma, Milão e lugares intermediários; da mesm data será o guia Peregrinatio ad Loca Santa ou S. Silvae, crônica da viagem de uma freira Eteria (Eucheria ou Egeria).

No século VI são muitos os itinerários conhecidos. Para a cidade de Roma, e muito especialmente para suas catacumbas, têm grande importância os do século VII. Documentos parecidos aos anteriores são os Catálogos, simples listas de monumentos que o peregrino deve visitar. Não se conhece nenhuma anterior ao século VII. Um raro exemplo, do tempo de Gregório Magno está formado pela lista das lâmpadas que ardem sobre as tumbas dos mártires de Roma, para as quais a rainha Teodolinda envia óleo. Conserva-se na catedral de Monza.

Nota: É importante ter em conta que as fontes literárias não esclarecem a Arqueologia, a Arqueologia ilustra estes textos. A Arqueologia nunca irá contrariar o sentido usual de interpretação destas fontes.