Os sepulcros cristãos e as catacumbas


História da sepultura cristã primitiva

=>Costumes romanos de sepultura
Já desde a época da República, a lei romana proibia a sepultura dos defuntos no recinto interno às muralhas da cidade, mas de alguma forma os protegia, ordenando que, mesmo aqueles que morressem condenados, poderiam ter seus restos retirados por seus parentes -neste fato se baseou a petição do corpo de Cristo por José de Arimateia- e declarando sagrado todo lugar que possuísse uma tumba: este lugar era inalienável para a administração pública e ficava sob a jurisdição imediata dos pontífices.

Em conformidade com a lei romana, situados ao longo das grandes estradas consulares e, geralmente, na imediata área suburbana daquele tempo, surgiram numerosos lugares de sepultamento familiares, gremiais ou de associações funerárias que, por uma quota paga em vida garantiam o enterro e a inviolabilidade da sepultura. Era essencial para amos e escravos, libertos e artesãos, “não falhar na saída”, e efetuá-la segundo as regras da arte.

=>As novidades cristãs
Na comunidade cristã a sepultura era a última forma de caridade para com os pobres. O Imperador Juliano atribui a expansão do cristianismo principalmente à filantropia para com os estrangeiros e a sepultura aos mortos. Ambas manifestações de caridade conjugavam-se com frequência porque os estrangeiros, distanciados de suas famílias e de seus países, às vezes sem parentes, não tinham ninguém que se encarregasse de seus funerais. Esta atitude cristã chamou a atenção dos pagãos, porque a Igreja não cuidava somente de enterrar os seus mortos, mas também cumpria este dever com todos os mortos que não possuíam sepultura, vítimas de calamidades públicas ou naufrágios.

Também existiam em Roma, naquela época, cemitérios a céu aberto, mas os cristãos, por diversos motivos, preferiram os cemitérios subterrâneos. Antes de tudo eles recusavam o uso pagão da cremação dos corpos. A exemplo da sepultura de Cristo, eles preferiam a inumação, por um senso de respeito para com o corpo destinado um dia à ressurreição dos mortos.
Esse sentimento vivo dos cristãos criou um problema de espaço, que influiu fortemente no desenvolvimento das catacumbas. Caso tivessem utilizado apenas cemitérios a céu aberto, o espaço disponível deveria exaurir-se em pouco tempo, visto que normalmente os cristãos não reutilizavam os sepulcros. As catacumbas - cemitérios subterrâneos - resolveram o problema de forma econômica, prática e segura. Como os primeiros cristãos eram, em sua maioria, gente pobre, essa forma de sepultura foi decisiva.
Existiram, entretanto, outros motivos que levaram à opção da escavação subterrânea. Era vivíssimo nos primeiros cristãos o sentido de comunidade: eles desejavam estar juntos também no "sono da morte". Além disso, esses lugares eram afastados permitindo, particularmente durante as perseguições, reuniões comunitárias reservadas e discretas e consentindo o livre uso dos símbolos cristãos.

A exploração e o estudo científico das catacumbas tiveram início, séculos depois, com Antonio Bosio (l575-l629), chamado de o "Colombo da Roma subterrânea". No século passado, a exploração sistemática das catacumbas, e particularmente das de São Calisto, foi realizada por Giovanni Battista de Rossi (1822-1894), considerado o fundador e pai da Arqueologia Cristã.

I. As catacumbas cristãs

=>Origem, estrutura e evolução
Os antigos cristãos não usavam o termo "catacumba". A palavra é de origem grega e significa "cavidade, um vale aberto". Os Romanos davam esse nome a uma localidade da Via Appia, onde existiam cavas para a extração de blocos de tufo,uma macia rocha vulcânica. Perto dali foram escavadas as catacumbas de São Sebastião. No século IX o termo foi estendido a todos os cemitérios com o significado específico de cemitério subterrâneo.

As catacumbas são formadas por galerias subterrâneas, parecendo verdadeiros labirintos e podem atingir no conjunto muitos quilômetros. Nas paredes de tufo desse intrincado sistema de galerias foram escavadas filas de nichos retangulares, chamados lóculos, de várias dimensões, que podiam conter um único cadáver, mas era frequente o caso que contivessem os corpos de duas e às vezes mais pessoas.
A sepultura dos primeiros cristãos era extremamente simples e pobre. Como Cristo, os cristãos eram envolvidos num lençol ou sudário, sem caixão. Os lóculos eram fechados em seguida com placas de mármore ou, na maioria dos casos, com telhas fixadas por argamassa. Sobre a placa escrevia-se às vezes o nome do defunto, com um símbolo cristão ou os votos de paz no céu. Com frequência eram colocadas junto aos sepulcros lamparinas a óleo ou pequenos vasos com perfume.
Pela sua colocação em filas sobrepostas umas sobre as outras, as sepulturas davam a ideia de um vasto dormitório, chamado cemitério, termo de origem grega que significa "lugar de repouso". Os cristãos queriam afirmar dessa forma a própria fé na ressurreição dos corpos.

=>Estrutura da catacumba
O terreno de Roma facilitava muito a escavação, por estar formado por estratos irregulares de tufo e argila.

Chega-se às catacumbas através das
Escadas – (catabaticum), com degraus muito altos. Para comunicação entre os diferentes níveis há mais galerias em rampas do que escadas.

Galerias – são estreitas, com teto plano ou escavado em abóbada de berço (de forma semicilíndrica)


Lóculos – escavados em geral nas superfícies verticais

Arcossólio, sepultura típica do terceiro e quarto séculos, é um nicho bastante grande, com um arco sobrestante. A placa de mármore era colocada horizontalmente. Em geral o arcossólio servia como sepultura para uma família inteira.

Sarcófago é um caixão de pedra ou mármore, ornado normalmente com esculturas em relevo ou com inscrições.

Cubículos - (o termo significa "câmaras"), eram pequenas salas, verdadeiros mausoléus familiares com capacidade para vários lóculos. Podiam abrir-se nas paredes das galerias. O uso de um mausoléu de família não era privilégio reservado aos ricos. Os cubículos e os arcossólios eram frequentemente decorados com afrescos que repetiam cenas bíblicas e que reproduziam os temas do Batismo, da Eucaristia e da Ressurreição, simbolizada no ciclo de Jonas.

Tumbas no chão: eram mais raras e devido ao desejo de ser enterrado mais perto de um santo

Poços: verticais para extrair o material de escavação – só no século IV e V

Lucernários: plantas quadradas e desenvolvimento vertical. Colocados sobre cubículos ou cruzamentos de galerias

=> Os fossários

A escavação das catacumbas era um trabalho exclusivo de uma associação especializada de trabalhadores, os "fossários" (serventuários eclesiásticos, encarregados do enterramento dos fiéis - Aurélio) . Eles escavavam as galerias uma após a outra à fraca luz de suas lamparinas e serviam-se, para transportar a terra à superfície, de cestos ou sacos passados através de claraboias abertas no teto das criptas, dos cubículos ou ao longo das galerias.

As claraboias eram longos poços que chegavam à superfície. Quando se concluía o trabalho de escavação, as claraboias eram deixadas abertas para que entrassem ar e luz, como condutores de ventilação e meios de iluminação.
As sepulturas dos mártires, os cubículos e também os arcossólios às vezes podiam ser decorados com pinturas feitas com a técnica do afresco. Os afrescos representam cenas bíblicas do Antigo e do Novo Testamento, algumas com estrito significado simbólico.
Em Roma existem mais de sessenta catacumbas, com centenas de quilômetros de galerias e dezenas de milhares de sepulturas. Encontram-se catacumbas cristãs também em Chiusi, Bolsena, Nápoles, na Sicília oriental e no Norte da África.

Os primeiros cristãos não sepultaram a própria fé e a vida debaixo da terra, mas viveram a vida comum dos povos na família, na sociedade, em todos os trabalhos, empregos e profissões. Deram testemunho da própria fé em todos os lugares, mas foi nas catacumbas que esses heróicos cristãos encontraram força e apoio para enfrentar as provas e perseguições, enquanto rezavam ao Senhor e invocavam a intercessão dos mártires.

O sistema de escavação subterrânea não foi inventado pelos cristãos, e não foi sequer causado pelas perseguições. As catacumbas eram simplesmente cemitérios coletivos cristãos, escavados na profundidade do terreno.

Os cristãos adotaram a técnica de escavação preexistente e desenvolveram-na em escala imensa, com uma vasta rede de galerias em níveis sobrepostos. Foi a solução para os problemas da sepultura para uma grande comunidade com um número sempre crescente de membros. Explica-se o rápido e enorme desenvolvimento de algumas catacumbas pelo culto dos mártires que eram aí sepultados, porque os cristãos insistiam em ter a sepultura junto às suas veneráveis sepulturas, a fim de garantirem para si a sua proteção.
As catacumbas continuaram a funcionar como cemitérios regulares até os inícios do século quinto, quando a Igreja voltou a sepultar exclusivamente acima da terra ou nas basílicas dedicadas a mártires importantes.

As catacumbas, pela importância que têm, são hoje visitadas por milhares de peregrinos de todas as partes do mundo. Devido ao precioso patrimônio de pinturas, inscrições, esculturas, etc. elas são consideradas autênticos arquivos da Igreja primitiva, que documentam os usos e costumes, os ritos e a doutrina cristã, como era então entendida, ensinada e praticada.

=> Administração eclesiástica: “No século II, o Papa Calisto quis pôr ordem nas catacumbas e instituiu uma administração eclesiástica especial, erigida por 7 diáconos. O séc. IV, S. Damásio, papa, restaurou algumas galerias que antes tinham sido enterradas para prevenir profanações nas perseguições, e mandou colocar inscrições em honra dos mártires mais venerados.

=> Abandono das catacumbas
Quando os bárbaros (Godos e Longobardos) invadiram a Itália e desceram até Roma, destruíram sistematicamente muitos monumentos e saquearam muitos lugares, inclusive as catacumbas. Impotentes diante das repetidas invasões, pelo final do oitavo e início do nono século, os papas fizeram transferir, por razões de segurança, as relíquias dos mártires e dos santos às igrejas da cidade.
Uma vez concluído o traslado das relíquias, as catacumbas não foram mais frequentadas, sendo totalmente abandonadas, com exceção das de São Sebastião, São Lourenço e São Pancrácio. Com o passar do tempo, os desabamentos e a vegetação obstruíram e esconderam as entradas das outras catacumbas, tanto que se perderam até mesmo os sinais delas. Durante toda a Idade Média não se sabia nem sequer onde se localizavam.

CATACUMBAS DE SÃO CALISTO

Percorrendo a via Appia Antiga encontram-se, a menos de um quilômetro da Porta de São Sebastião, a pequena igreja do "Quo Vadis?", em seguida as catacumbas de Pretestato e de São Sebastião e, mais além, o mausoléu de Cecília Metella.Ao centro dessa área arqueológica, encerrado entre as vias Appia Antiga, Ardeatina e o beco das Sette Chiese estende-se o "Complexo Calistiano", uma vasta área de mais ou menos "30 hectares" de terreno, dos quais uns quinze são catacumbas.

As galerias, às vezes em quatro planos superpostos, atingem o comprimento de 20 quilometros. As sepulturas são numerosíssimas, talvez meio milhão. O complexo é formado por vários núcleos cemiteriais que foram se estendendo aos poucos: o cemitério de São Calisto e as Criptas de Lucina, que se uniram com o tempo; o cemitérios de Santa Sotere, de São Marcos e de Marcelino e Dâmaso, e enfim o de Balbina. As Catacumbas de São Calisto, que estão entre as mais importantes e imponentes de quase sessenta catacumbas cristãs de Roma. Podem ser consideradas como "o berço da Cristandade e os arquivos da Igreja primitiva", porque ilustram a sua vida, usos e costumes e o Credo professado e testemunham o martírio dos primeiros cirstãos.
Originaram-se pela metade do séc. II, a partir de uma área funerária talvez pertencente à nobre família dos Cecílios e, nos inícios do século terceiro, passaram a depender diretamente da Igreja de Roma.
O papa São Zeferino (199-217) confiou a vigilância da incipiente catacumba ao diácono Calisto, para que a administrasse em nome da Igreja. Calisto devia superintender à escavação para que todos os fiéis, sobretudo os pobres e os escravos, pudessem ter uma sepultura digna. Quando Calisto foi eleito papa, aumentou o complexo funerário que recebeu o seu nome e tornou-se o cemitério oficial da Igreja de Roma.
Os núcleos mais antigos das catacumbas de São Calisto são as Criptas de Lucina e a Região chamada dos Papas e de S. Cecília, onde se conservam algumas das memórias mais sagradas do lugar (as criptas dos Papas e de S. Cecília e os Cubículos dos Sacramentos); as outras regiões são denominadas de S. Caio e de S. Eusébio (fins do século 3º), Ocidental (anterior à metade do séc. 4º) e Liberiana (segunda metade do séc. 4º).

CEMITÉRIO DE SÃO CALISTO (FOTO)
História: começa com certeza no séc. II com dois núcleos independentes , o que mais tarde serão a cripta dos Papas e a de Lucina. No séc. III foi ampliado com galerias e cubículos familiares até chegar , no inicio do século IV, a formar uma complexa rede de galerias, formando um só conjunto. Na primeira metade deste mesmo século houve uma ampliação que deu origem a uma porção de criptas de ornamentação muito cuidada
No apogeu do culto aos mártires, quando o cemitério já havia sido abandonado, construíram-se novas galerias que conduziam diretamente às criptas veneradas, fechando com muros seus encontros com as anteriores. Abandonado desde o século IX, perdeu-se a memória do cemitério até o descobrimento, em 1847, da cripta dos Papas, por João Battista Rossi, a quem pode-se outorgar o título de fundador da arqueologia cristã.

  • O NÍVEL DO SOLO
A área a céu aberto, preexistente às catacumbas, era ocupada por sepulturas pagãs ao longo das margens da via Appia. Em seguida, foram construídos mausoléus e pequenas basílicas, em cima ou ao lado das sepultaras dos mártires. Desses monumentos chegaram até nós apenas dois pequenos edifícios chamados "Trícoras", devido às três absides que formam a sua planta. (FOTO)
Provavelmente na "Trícora ocidental", foram sepultados próximos, embora em tempos diversos, o papa S. Zeferino e o jovem mártir da Eucaristia, S. Tarcísio, celebrado num poema do Papa Dâmaso (366-384), que assim recorda o seu martírio: "... Enquanto um celerado grupo de fanáticos lançava-se sobre Tarcísio, que levava a Eucaristia, para profaná-la, o jovem preferiu perder a vida a deixar o Corpo de Cristo aos cães As duas Trícoras foram restauradas e a oriental serve agora também como pequeno museu, que contém inscrições do cemitério e numerosos fragmentos de sarcófagos, que representam cenas do antigo e do novo Testamento. O mais importante é o sarcófago do Menino, assim chamado pelas suas dimensões reduzidas e que conserva a parte frontal ricamente esculpida (FOTO)Esse sarcófago pode ser considerado como um pequeno catecismo ilustrado. Eis as cenas: Noé com a pomba na arca, um profeta que segura o rolo da lei divina, Daniel na fossa dos leões, o menino orante entre dois santos, o milagre da Caná e a ressurreição de Lázaro. Ajoelhada aos pés de Jesus, a irmã de Lázaro, Maria. Ao centro da cobertura dois pequenos gênios seguram uma pequena placa; nas extremidades estão duas cabeças, esculpidas com finalidade ornamental. As cenas representadas no sarcófago deixam transparecer um profundo simbolismo e a sucessão das cenas não é casual. O cristão nasce à vida divina mediante o Batismo (Noé); nutre a vida divina com o pão (Abacuc) e o vinho (Caná) consagrados na Missa, ou seja, com a Comunhão; a Eucaristia oferece-lhe como penhor a ressurreição final (Lázaro). O cristão (o menino), assim, viverá no paraíso (orante).

  • O CEMITÉRIO SUBTERRÂNEO
Lugares mais significativos:
  • Escada de ingresso: Para descer às catacumbas toma-se uma moderna escada de ingresso, reconstruída em boa parte no lugar da anterior, do 4º século, aberta no tempo do papa Dâmaso para permitir que os peregrinos chegassem com facilidade às sepulturas dos mártires. Ao longo das paredes do primeiro trecho da escada foram fixados numerosos fragmentos de lápides que fechavam os lóculos.
  • Estátua do Bom Pastor: No patamar, onde a escada gira à direita, encontra-se uma estátua do Bom Pastor, cópia do original do século 4º, conservada nos Museus Vaticanos. O Bom Pastor com a ovelha nos ombros representa Cristo Salvador e a alma salva por Ele. É o símbolo mais frequente do amor de Cristo e o mais amado dos primeiros cristãos. Tinha para eles a mesma importância que o Crucifixo tem para nós.
  • Lápide de Agripina: Ao longo das paredes da escada estão fixadas algumas inscrições funerárias. Numa delas o dia da morte é chamado de "o dia em que a defunta entrou na luz" ("cuius dies inluxit"). "Agripina entregou (a alma a Deus)... Entrou na luz... deposta nos idos de...". O cristianismo soube transformar em luz o lúgubre conceito pagão de morte.
  • Os grafites: No final da escada, numa parede protegida por um vidro, tem início uma série de grafites, gravados com uma ponta de ferro na argamassa da parede. São nomes de pessoas, palavras ou também pequenas frases de invocação aos mártires, escritas pelos peregrinos durante a visita às catacumbas. Os grafites são frequentes perto das sepulturas dos mártires. Podem-se ler na parede externa da Cripta dos Papas, estas escrituras. "Ó S. Sisto, lembra-te em tuas orações de Aurélio Repentino..."; "Ó Santas Almas, recordai-vos de Marciano, de Sucesso, de Severo, e de todos os nossos irmãos"; "Felicio, PBR (presbítero) peccator" (Felício, sacerdote, pecador). Lê-se, ainda, a expressão admirada de um desconhecido cristão que compara a cripta dos Papas à Jerusalém celeste: "Jerusalém, cidade e ornamento dos mártires de Deus...".À esquerda encontra-se a abertura que introduz na cripta dos Papas.


  • A CRIPTA DOS PAPAS
É o lugar mais sagrado e importante destas catacumbas, descoberto em 1854 pelo grande Arqueólogo Giovanni Battista de Rossi e definido por ele como "o pequeno Vaticano, o monumento central de todas as necrópoles cristãs". A cripta teve origem no final do séc. 2º como um cubículo privado. Após a doação da área à Igreja de Roma, o cubículo foi reestruturado e transformado em cripta tornando-se o mausoléu dos papas do 3º século. De forma retangular, a cripta continha 4 nichos para sarcófagos e seis lóculos em cada lado; no total são 16 sepulturas, mais uma monumental na parede do fundo. Foram aí sepultados 9 Papas e 8 Bispos do séc. 3º. Estão fixadas nas paredes as lápides originais, quebradas e incompletas, de 5 Papas. Seus nomes estão escritos em grego, segundo o uso oficial da Igreja do tempo. Em 4 lápides, ao lado do nome do pontífice, há a qualificação de epi (scopos) = bispo, porque era o chefe da Igreja de Roma; e em duas lápides está a sigla MTR, ou seja, a abreviação de Mártir. Mártir significa testemunha. Foram chamados mártires os cristãos que testemunharam a fé de Cristo com o sangue. Os nomes dos Papas, escritos nas lápides, são estes:
  • São Ponciano (230-235), morreu mártir na Sardenha para onde tinha sido exilado e condenado a trabalhos forçados. Para não colocar em dificuldade a Igreja de Roma pela sua ausência definitiva, pouco depois de sua chegada à ilha, renunciou ao pontificado. Provavelmente o clima insalubre, o trabalho cansativo nas minas e os maus tratos apressaram o seu fim. Quando morreu, a Igreja considerou-o mártir. Alguns anos mais tarde os seus restos mortais foram transportados a Roma e sepultados em S. Calisto.
    Santo Antérote
  • Santo Antérote (235-236), de origem grega, teve um brevíssimo pontificado, de apenas 43 dias, transcorridos todos na prisão.
  • São Fabiano (236-250) era romano e fora eleito papa quando morreu S. Antérote. O seu serviço coincidiu com um período de paz religiosa. Foi um grande organizador da Igreja de Roma. Dividiu a cidade em 7 regiões eclesiásticas confiando a cada uma os seus "títulos" (paróquias), seu clero e suas catacumbas (cemitérios). Morreu decapitado durante a perseguição do imperador Décio.
  • São Lúcio I (253-254). Teve um pontificado breve: oito meses ao todo, transcorridos parte em Civitavecchia, para onde fora exilado.
  • Santo Eutiquiano (275-283), de Luni na Ligúria, foi o último dos nove Papas a serem sepultados nesta cripta.
  • O Papa Mártir Sisto II (257-258), definido por S. Cipriano "sacerdote bom e pacífico", é certamente um dos mártires mais ilustres desta catacumba. É o mártir por excelência das catacumbas. De fato, estava presidindo uma liturgia neste cemitério, quando foi surpreendido pelos soldados do imperador Valeriano em 6 de agosto de 258 e decapitado aí mesmo, no mesmo dia, junto com quatro diáconos.
Os poemas do Papa Dâmaso
Conservam-se unidos, na parede esquerda da Cripta dos Papas, dois fragmentos originais de um primeiro poema de S. Dâmaso, dedicado ao Papa Sisto II para celebrar o dia glorioso do seu martírio.

"No dia em que a espada (a perseguição)traspassou as piedosas vísceras da Mãe (a Igreja),eu (Sisto II), aqui colocado, como pastor (Papa)ensinava a palavra de Deus (as divinas Escrituras).Quando eis que, improvisamente, irrompem os soldados, que me arrancam para fora da cátedra (episcopal).Os fiéis ofereceram o pescoço à espada(isto é, os fiéis tentaram salvar o Papa às custas da própria vida).Mas apenas o Pastor percebeu que desejavam tirar-lhe a palma (do martírio), ofereceu-se a si mesmo e à sua cabeça por primeiro, não tolerando que o furor (pagão)fizesse mal aos demais. Cristo, que distribui a recompensa, tornou claro o mérito do Pastor, conservando ileso o número do rebanho."
Outros Papas aqui sepultados: Estêvão I (254-257), São Dionísio (259-268) e São Félix I (269-274), cujas lápides, porém, não foram encontradas. Papa Dâmaso, no quarto século, piedoso cultor dos Mártires, transformou a cripta em lugar de culto. Fez colocar nela um altar, do qual se conserva apenas a antiga base em mármore. Foram abertas claraboias no teto e colocaram-se colunas, que sustentavam uma arquitrave de onde pendiam lâmpadas e cruzes em honra dos Mártires. Muito interessante, do ponto de vista histórico, é a lápide que ainda se conserva em grande parte diante da sepultura do papa Sisto II. Foi feita gravar no mármore pelo Papa Dâmaso e contém um segundo poema, em hexâmetros latinos, que comemora os mártires e os fiéis sepultados na cripta e em todo o cemitério:

"Se o procuras, saibas que aqui repousa unida uma multidão de Bem-aventurados. As sepulturas venerandas conservam os corpos dos Santos, mas a casa real do celeste arrebatou para si as almas eleitas. Aqui, os companheiros de Sisto, que elevam os troféus vencidos ao inimigo. Aqui, o grupo de anciãos que velam os altares de Cristo. Aqui o Bispo que viveu em longa paz; aqui, os santos confessores (da fé) enviados da Grécia; aqui, jovens, meninos e velhos com seus castos descendentes, que preferiram conservar a própria pureza virginal.  Aqui, também eu, Dâmaso, confesso-o, gostaria de ter sido sepultado, mas tive receio de perturbar as cinzas santas dos Bem-aventurados".

"Os companheiros de Sisto" são os quatro diáconos: Januário, Magno, Vicente e Estêvão, que com ele padeceram o martírio. "O grupo dos anciãos" que guarda o altar de Cristo são, evidentemente, os Papas sepultados no cemitério. A expressão "o Bispo que viveu em longa paz" refere-se a um Papa que viveu antes das grandes perseguições desencadeadas por Diocleciano e Galério, entre o final do séc. 3º e os primeiros anos do séc. 4º: papa Fabiano, ou Dionísio ou Eutiquiano. Com "os santos confessores enviados da Grécia", alude-se provavelmente a um grupo de mártires: Hipólito, Paulino, Ádria, Eusébio, Maria, Marta e Marcelo, que foram sepultados neste complexo catacumbal. Por uma estreita passagem aberta à esquerda da parede de fundo da Cripta dos Papas entra-se na Cripta de Santa Cecília.

  • CRIPTA DE SANTA CECÍLIA (FOTO)
Abre-se na parede esquerda, em baixo, um grande nicho onde foi colocado o sarcófago contendo o corpo de Cecília, aí ficando até o ano 821, quando o Papa São Dâmaso I transportou-o à basílica a ela dedicada no Trastevere. A estátua, que se vê é uma cópia da célebre estátua de Stefano Maderno (1566-1636), esculpida em 1599, quando foi feito o reconhecimento dos restos mortais da santa. Ela foi encontrada na posição reproduzida pelo escultor. Maderno quis também realçar o corte da espada no pescoço e a posição dos dedos: três abertos na mão direita e um dedo aberto na esquerda. Segundo a tradição, a santa quis indicar a sua fé na Unidade e na Trindade de Deus. A cripta foi decorada com mosaicos e pinturas. Restam ainda algumas destas pinturas. Santa Cecília é representada na parede esquerda, em cima, perto do lugar de sua sepultura, em atitude de orante; embaixo, num pequeno nicho, encontra-se a imagem de Cristo "Pantocrátor" (Onipotente), que segura o Evangelho. Ao lado, está a imagem de Santo Urbano, papa e mártir, contemporâneo de S. Cecília, a ela unido no martírio. Admira-se, na boca da claraboia, uma cruz entre duas ovelhas e as imagens dos mártires Polícamo, Sebastião e Quirino. A cripta conserva numerosas inscrições. A mais importante, pelo belo testemunho de fé, é a de Setímio Frontone, de família senatorial. É em língua grega, datada do 3º século.
"Eu Setímio Frontone Pretestato Liciniano, servo de Deus, aqui repouso. Não me arrependerei (jamais) por ter vivido honestamente. Vou servir-te também no céu (Senhor),e darei graças ao teu Nome. Entreguei a minha alma a Deus aos 33 anos e 6 meses".

AS GALERIAS
Fora da cripta de S. Cecília, voltando à esquerda, chega-se a um deambulatório, que é um dos dois núcleos mais antigos do cemitério (galeria B). Ao final, passa-se à galeria C, onde encontra-se a pequena bela lápide de Augurino, com a pomba que tem um pequeno ramo de oliveira no bico (FOTO)

Chega-se por uma estreita passagem à galeria A, chamada dos Cubículos dos Sacramentos. Vêem-se algumas inscrições nas paredes. Leiamos uma delas:
"Ao querido Ciríaco filho dulcíssimo. Possas viver no Espírito Santo"
A estrutura das galerias e a disposição das sepulturas dão a impressão de um vasto dormitório, chamado pelos Cristãos de cemitério, que significa justamente lugar do sono, como veremos mais adiante, falando do cubículo do diácono Severo.

OS CUBÍCULOS DOS SACRAMENTOS
Encontramos na galeria A, à esquerda, cinco pequenas salas ou sepulturas familiares, chamadas de "os Cubículos dos Sacramentos", famosos e importantes pelos afrescos neles contidos, datáveis dos inícios do séc. 3º e que representam simbolicamente os sacramentos da iniciação cristã: Batismo e Eucaristia.

Com essas representações, os cristãos dos primeiros séculos queriam antes de tudo recordar o próprio catecumenato (preparação ao Batismo), e depois, deixar uma mensagem aos contemporâneos: eles tornaram-se cristãos pelo Batismo e perseveraram na vida cristã com a Comunhão frequente. Queriam também dizer aos familiares e a quantos visitassem suas sepulturas que, se tivessem feito uso dos mesmos meios, um dia haveriam de reunir-se novamente aos seus queridos.
  • O Batismo
Como ensinavam os Padres da Igreja em suas catequeses, esses meios de salvação foram já prefigurados no Antigo Testamento. Isso aparece claro no milagre de Moisés que faz brotar água da rocha para tirar a sede do seu povo no deserto (Ex 17,1-7). O Batismo de Jesus (Mt 3,13-17) também é uma prefiguração do batismo do cristão. Por isso, a cena de Jesus que se faz batizar por João no Jordão. Na parede de fundo do cubículo A2 está pintada a mais antiga cena do Batismo de um catecúmeno. O sacerdote com túnica e pálio coloca a mão direita sobre a cabeça do batizando, que tem os pés na água. Outras representações do Batismo são oferecidas pelo pescador, pela Samaritana ao poço e pelo paralítico da Piscina de Betesda.
  • A Eucaristia
Os primeiros cristãos preferiram representar em seus cubículos o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes (Jo 6,1-15) como símbolo da Eucaristia. Jesus, de fato, partindo desse milagre, promete um pão particular e diverso: o seu corpo (Jo 6,22-59). A cena da multiplicação dos pães repete-se sempre do mesmo modo: sete pessoas sentam-se ao redor de uma mesa. O número sete é simbólico e indica que todos são chamados por Deus à salvação. Sobre a mesa estão colocados dois ou três pratos com pães e peixes e, aos lados da mesa, estão os cestos de pão. 

  • O bíblico Jonas
Em todos esses cubículos aparece o profeta Jonas. Ele é o profeta mais querido dos primeiros cristãos, porque pregou a mensagem da salvação aos habitantes de Nínive, isto é, a pagãos, sendo pois símbolo da chamada à salvação de todos os homens indistintamente, judeus ou pagãos que fossem. Não nos esqueçamos que a maior parte dos fiéis sepultados neste cemitério vinham do paganismo. Além disso, é também símbolo de ressurreição. Jesus mesmo no Evangelho toma-o como figura dessa realidade: "Como Jonas permaneceu três dias e três noites no ventre do peixe, assim também o Filho do Homem ficará no coração da terra três dias e três noites, e depois ressuscitará" (Mt 12,40).
  • A escada dos mártires
Terminando a galeria dos Cubículos dos Sacramentos começa a escada dos Mártires, escavada na metade do séc. 2º, conservando ainda alguns degraus daquela época. É chamada "escada dos Mártires" porque por ela passaram os papas sepultados na bem próxima cripta. Segundo a tradição também o jovem Tarcísio descia por essa escada quando vinha rezar nas sepulturas dos mártires ou buscar a Eucaristia para levá-la aos cristãos nas prisões ou nas famílias durante o período de perseguições.

  • A REGIÃO chamada DO PAPA MILCÍADES
Através de uma passagem aberta na parede de fundo do cubículo A1 entra-se na região chamada de São Milcíades. A região foi escava na segunda metade do séc. 3º e contém muitos cubículos e arcossólios, também ao longo das galerias. A primeira galeria percorrida é bastante espaçosa. Ela era continuamente usada no período das visitas às sepulturas dos mártires, porque constituía uma passagem obrigatória dos antigos peregrinos das criptas dos Papas e de Santa Cecília à sepultura do papa mártir S. Cornélio nas criptas de Lucina. À parede esquerda, no início da galeria, veem-se alguns símbolos: a pomba, dois monogramas, o peixe, a âncora, o passarinho que vai saciar a sede num vaso. No ângulo da primeira galeria à esquerda estão duas lápides relativas a sacerdotes: "Julianus presbyter" e "Presbyter in pace" (Juliano sacerdote e Sacerdote em paz).
Logo após um cruzamento de galerias com uma ampla claraboia, vê-se à direita, no alto, a sugestiva lápide da fênix radiada e nimbada, ou seja, com os raios e a auréola ao redor da cabeça. Como explicamos falando dos símbolos, a fênix representava para os primeiros cristãos, a ressurreição da carne e o nascimento à nova vida divina. Observemos agora o primeiro arcossólio, que era às vezes, como neste caso, decorado. Sobre ele a pequena lápide de Irene, uma menina cristã representada como orante na paz do céu. Ao seu lado, o símbolo por excelência da paz: a pomba.

Documentário: As catacumbas