PROGRAMA

PROGRAMA DE ARQUEOLOGIA CRISTÃ


I. Introdução

Definição:
• Âmbito histórico e geográfico
• Missão e expoentes
• Fontes
• Método
• Utilidade da ciência arqueológica
• História e progresso da Arqueologia Cristã

Fontes escritas:
• Sagrada Escritura e escritos da Tradição
• Textos relativos ao culto dos mártires e às práticas litúrgicas
• Fontes históricas medievais e coleções epigráficas.


II. As sepulturas cristãs e as catacumbas

História da sepultura cristã primitiva
• Costumes romanos de sepultura e novidades cristãs
• As catacumbas cristãs: origem e estrutura, terminologia
• Os fossários
• Evolução e abandono das catacumbas
• Administração Eclesiástica
• As catacumbas de Priscila, Domitila e São Calisto

As sepulturas dos mártires
• Pontos significativos
• Ritos funerários. O refrigério.
• O culto aos mártires. As relíquias

As sepulturas dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo.
• Tradição e fontes literárias e epigráficas sobre a presença e morte em Roma dos fundadores da Igreja Romana.
• As catacumbas de São Sebastião: a memoria Apostolorum.
• As escavações sob a Basílica vaticana (Scavi).
• Hipótese sobre as relíquias de São Pedro.
• A tumba de São Paulo.


III. Arqueologia Cristã e História da Igreja

Vida dos primeiros cristãos segundo os dados arqueológicos.
• Características gerais. Os dogmas.
• Os sacramentos, especialmente o Batismo e a Eucaristia.
• As celebrações litúrgicas.

IV. Monumentos Arquitetônicos

Edifícios destinados ao culto

• A ecclesia
• Período Constantino
• Antecedentes históricos das basílicas
• Basílicas cristãs
• Elementos de uma basílica

V. Iconografia e epigrafia
Iconografia
• Notas gerais
• Antecedentes históricos
• Repertório cristão
• Pinturas e mosaicos
• Sarcófagos
• Estátuas e objetos de vidro
• Outros tipos de objetos

Epigrafia
• Inscrições cristãs: materiais e técnicas
• Sinais paleográficos
• Abreviaturas
• Símbolos – (Ig. Dos Ap. e Mártires) – 197 - Notas
• Monogramas
• Inscrições funerárias: fórmulas genéricas e invocações
• Epigrafia métrica
• Inscrições históricas

Introdução

ARQUEOLOGIA CRISTÃ



I . Introdução

Definição: Do grego archaios, a, on = antigo. Archaiologia – estudo de antiguidades.

Arqueologia Cristã 
A ciência histórica que estuda os restos monumentais dos primeiros tempos da antiguidade cristã. 
  • Monumento: todos aqueles testemunhos “não escritos” da atividade do homem, neste caso, da atividade do Cristianismo. Também é comum acrescentar à arqueologia aqueles outros testemunhos que podem qualificar-se de “escritos não literários”: lápides comemorativas, funerárias, inscrições realizadas em elementos arquitetônicos e a epigrafia . Resumindo, todo vestígio das atividades dos primeiros cristãos – da Igreja primitiva - que tenha chegado até nossos dias e que não é documentação puramente literária: construções, elementos de culto, elementos funerários, objetos marcados pelo selo cristão, é estudado pela arqueologia cristã. 
    • É interessante levar em conta que a Arqueologia Cristã é uma ciência feita a partir de um fato sobrenatural: a ressurreição de Cristo. Não documenta o que aconteceu, mas a fé, a liturgia, o trabalho e a vida diária daqueles que acreditaram.

Âmbito histórico: Podemos dizer que a arqueologia cristã estuda o que não está claro o suficiente para tornar-se histórico. A Arqueologia estuda marcas, vestígios. Por isso, o limite no tempo do tema da arqueologia cristã é muito variável e diferente nas distintas regiões geográficas, já que o começo da atividade da Igreja, conhecido e devidamente documentado para chamar-se histórico, também varia. Costuma-se apontar o fim do pontificado de Gregório Magno (590-604) como o final desta etapa obscura. A partir daí começou-se a fazer a História da Igreja. Contudo, na história geral da Arte, por exemplo, chamam-se arqueológicos os restos visigodos, mas não os românicos.

Âmbito geográfico: Por outro lado, o âmbito geográfico é mais concreto:
  •  Toda a Europa, incluindo-se as Ilhas Britânicas
  •  Norte da África, que chega do Egito até Assuam
  •  Ásia Anterior, num limite que deve se situar na Mesopotâmia
  •  Índia, hoje quase desconhecida mas na qual, com toda certeza, floresceram comunidades primitivas a julgar pela tradição e por alguns dados literários.

Missão: É missão da Arqueologia Cristã conhecer as manifestações plásticas da fé primitiva e assim contribuir a alcançar uma ideia, a mais precisa possível, sobre o modo de vida e as vicissitudes da história das comunidades cristãs em seus primeiros passos, a partir da época dos Apóstolos.

Expoentes: Como toda ciência histórica, a arqueologia cristã começou a ter um lugar e uma metodologia própria dentro do campo da pesquisa em meados do séc. XIX. No entanto, o renascer humanista do século XVI mostrou-se interessado por esta seção da História do Império Romano, que foi a primeira cristandade. Alguns nomes ilustres desta época: 
  • São Felipe Néri, 
  • São Carlos Borromeu, 
  • Antonio Bosio, o “Colombo da Roma subterrânea”, 
  • André Fulvio 
  • Frei Onovio Panvinio, entre outros. 
Continuam-se os estudos e achados, que são cada vez mais numerosos nos séculos XVII e XVIII. No século XIX começaram os trabalhos sistemáticos de pesquisa, preparados pelo grande número de publicações verificadas nos séculos anteriores. Giovanni Battista de Rossi (1822-1894) é considerado o fundador e pai da verdadeira escola de Arqueologia Cristã.

Método de estudorecuperação, documentação e análise de traços materiais remanescentes da Antiguidade Tardia - na arquitetura, nos artefatos, assim como em restos biológicos e humanos. 

Utilidade da ciência: elucida questões relativas à origem do Cristianismo, à vida dos primeiros cristãos e suas relações com os não cristãos

Fontes: As fontes do estudo da Arqueologia Cristã dividem-se em grandes grupos:

  • Fontes monumentais: constituem o objeto puramente arqueológico, como citado anteriormente e que veremos mais adiante. São as fontes arquitetônicas, iconográficas e epigráficas.
  • Fontes literárias: constituem instrumentos auxiliares, mas necessários para a interpretação dos dados das fontes monumentais. São elas:

a. Textos da Escritura: Somente nos deixam entrever que a Eucaristia se conserva ou, ao menos, que a Santa Missa era celebrada nas casas, segundo uma frase dos Atos dos Apóstolos (Atos. 2,46) Unidos de coração frequentavam todos os dias o templo. Partiam o pão nas casas e tomavam a comida com alegria e singeleza de coração. Além disso, é muito possível, que o Apocalipse contenha a descrição de um templo cristão; mas adiante realizaremos esta análise.

b. Didaché: possivelmente redigida na Síria, antes do ano 150. Este texto foi descoberto no ano 1873 em Constantinopla pelo metropolita Bryennos, num códice do ano 1056. Contem uma descrição da celebração da Santa Missa e de administração do Batismo.

c. Tradição apostólica de Hipólito: O texto original foi perdido e é reconhecido na Constituição egípcia. Foi redigida pelo ano 215 e contem uma descrição da Consagração e funções das diversas ordens eclesiásticas, da celebração da Santa Missa e da administração do batismo.

d. Os Padres Apostólicos
1. Latinos
Clemente de Roma: Carta aos Coríntios, do ano 1996, e uma carta pseudoclementina. Importante para o estudo do ambiente cristão do seu tempo.
Santo Inácio de Antioquia (+156 d.C.): na carta aos romanos testemunha o apostolado comum de São Pedro e São Paulo em Roma.
São Policarpo de Esmirna (+156 d.C.): na carta aos Filipenses enumera os diferentes graus da hierarquia eclesiástica.

2. Gregos do século II
São Justino (+165 d.C.): em suas duas apologias aos imperadores Antonino Pio e Marco Aurélio descreve a liturgia do seu tempo.
• Outros: Quadrado, Aristides, Melitão de Sardes, Apolinário de Gaerápolis, Taciano (Síria) Atenágoras (Atenas), São Teófilo de Antioquia e Ermia, dão noticias soltas das reuniões cristãs. A obra deste última já deve ser do século III.
• Escritores anti-heréticos do século II: Santo Ireneu e a Carta a Diogneto são talvez os mais importantes como auxiliares da Arqueologia

3. Escritores cristãos do século II ao IV
Tertuliano (160-220) descreve o ambiente cristão, especialmente no Ad Nationes e no Apologeticum e contem muitos dados interessantes em suas outras obras.
Minúcio Felix (antes do ano 200?) descreve o ambiente anticristão da época.
Hipólito de Roma (Antipapa de Calixto, 217-222), mais tarde mártir; além da já citada Tradição dos Apóstolos é atribuída a ele a Philosophumena interessante documento histórico dos Papas Zeferino e Calixto.
Orígenes (158-254)
Clemente de Alexandria (morto antes do ano 215)
São Cipriano (+258)
Lactancio (morto depois do ano 317), importante para a história das perseguições em De mortibus persecutorum e Divinae instituciones.
• Na época de paz: Eusébio de Cesárea (morto no ano 339). Importante, não somente por ser o primeiro historiador da Igreja, mas além disso, por transcrever muitos documentos anteriores a ele.
Santo Ambrósio de Milão (339-397), São Jerônimo (342-420), São Damaso (366-384), Santo Agostinho (354-430), São Gregório de Nisa (+394 d.C.), São Cirilo de Jerusalém (+386), São João Crisóstomo (354-407), Corico e João de Gaza (séc.VI), Paulo Silenciario (séc. VI), contém inclusive descrições de edifícios e cerimônias litúrgicas.
• Também há dados interessantes dos poetas cristãos Prudêncio (+405) e São Paulino de Nola (353-431).

e. Escritores Apócrifos
Só a partir do século V é que as histórias apócrifas dos fatos da vida de Jesus e da Virgem começam a influir poderosamente na iconografia. Antes, com certeza, só de maneira bem escassa. Isto nos mostra o cuidado que a Igreja Primitiva teve sobre os livros canônicos.

f. Atas e paixões dos mártires
O processo de um mártir era um ato legal e público diante de um magistrado e um funcionário que anotava as perguntas e respostas do julgamento e, não poucas vezes, registrava os procedimentos da indagação: tormento, ameaças, etc., e as declarações das testemunhas. Estas atas se conservavam em arquivos, sendo possível, sem especial dificuldade, ter acesso a elas.

Algumas destas atas que chegaram até nós parecem autênticas, com certeza copiadas depois da paz de Constantino. Outras, evidentemente são resumos das judiciais, às que se acrescentaram as observações de uma testemunha presencial, vários comentários edificantes ou das circunstâncias do martírio.

No século VI, bom número destas atas foram empregadas pelos escritores eclesiásticos para escrever a história do mártir –PASSIO ¬- cujas relíquias dão nomes às igrejas, basílicas e oratórios; também, muitas destas paixões são totalmente falsas. No entanto, não é raro o caso em que uma passio tida como lendária tenha sido comprovada como autêntica, ao menos em sua origem, pela escavação e estudo da igreja á qual ia unida. Algumas têm um grande valor para a arqueologia, outras não.

g. Calendários
O costume de celebrar com um ato litúrgico – muitas vezes a Santa Missa – o aniversário do martírio de quem selo a fé com seu sangue, originou, desde os primeiros tempos do Cristianismo, a redação de listas relativas a tais aniversários com o nome do mártir, a data de seu enterro –depositio- e o lugar onde repousam seus restos. Estas listas foram chamadas “calendários” ou “martiriológio”.

O calendário mais antigo é chamado Filocaliano pelo nome do seu compositor, Furio Dionísio Filocalo, e também Bucheriano pelo jesuíta que o publicou no século XVII em sua Obra De doctrina temporum. O original formou parte do Cronógrafo romano do ano 354, sendo Filocalo um calígrafo do papa São Dâmaso. A obra é dedicada a um tal de Valentiano, não identificado; começa com uma representação simbólica de Roma, Constantinopla, Alexandria e Tréveris, as maiores cidades do Império. Seguem-se esquemas e tabelas astronômicas para a contagem da Páscoa desde o ano 312 ao 354. Na segunda parte contêm três listas e um índice do calendário. Especialmente importantes são a Depositio episcoporum e a Depositio martyrum.

Um pouco posterior é o Martyrologium Carthaginense, que compreende mártires de Roma, Nápoles, Milão, Espanha, Soissons e Calcedônia.

Por último, são interessantes os calendários de Oxirinco – a. 535 ¬ e de Nápoles – a. 847-877 -, junto a outros posteriores.

h. Martirológios
Listas de mártires contendo muitas vezes só o nome. Outras acrescentam dados de interesse. O más antigo é o Martiriológio Siríaco, tradução do de Nicomedia realizada entre ano de 360 e 411, dele deriva o Martirológio Jeronimiano, o de São Jerônimo, ainda que não é dele; sua redação primitiva parece proceder de Auxerre – França – numa nova compilação do ano 592.

São muitos os dos séculos VIII e X, e, são principalmente interessantes os chamados do “grupo inglês”, que começam pelo de Beda, monge morto em 735; em Oriente e mais tardios são os Sinasarios, listas de santos e mártires, com fórmulas para a celebração litúrgica da sua festa; contem muitas vezes, dados interessantes para a arqueologia.

i. Sacramentários
Coleções de orações “móveis” para a celebração da Santa Missa e de outros dados litúrgicos. O mais antigo com certeza é o Sacramentário Leoniano ou Veronese, compilado, com toda probabilidade em Roma, no século VI utilizando fontes dos séculos IV e V. Serão posteriores o Gelasiano, do século VII e o Gregoriano, do VIII.

j. Catálogo de Pontífices e Bispos
Coleções de biografia de pontífices, quer sejam romanos ou de igrejas locais. Todos foram compilados em datas tardias, empregam materiais de arquivo anteriores e por isso contêm dados muito interessantes, não poucas vezes comprovados pelos restos arqueológicos. O mais importante é o Líber Pontificalis, com biografias desde São Pedro a Martinho V (1431). Parece ser fiel desde o século V (Anastácio II, 496-498) mas não são desprezáveis os dados de datas anteriores contidos nele.

k. Itinerários
São verdadeiros guias turísticos e crônicas das viagens dos peregrinos a Roma e à Terra Santa. Do século IV, o Itinerarium Burdigalense descreve uma viagem desde Bordeaux a Jerusalém e sua volta por Roma, Milão e lugares intermediários; da mesm data será o guia Peregrinatio ad Loca Santa ou S. Silvae, crônica da viagem de uma freira Eteria (Eucheria ou Egeria).

No século VI são muitos os itinerários conhecidos. Para a cidade de Roma, e muito especialmente para suas catacumbas, têm grande importância os do século VII. Documentos parecidos aos anteriores são os Catálogos, simples listas de monumentos que o peregrino deve visitar. Não se conhece nenhuma anterior ao século VII. Um raro exemplo, do tempo de Gregório Magno está formado pela lista das lâmpadas que ardem sobre as tumbas dos mártires de Roma, para as quais a rainha Teodolinda envia óleo. Conserva-se na catedral de Monza.

Nota: É importante ter em conta que as fontes literárias não esclarecem a Arqueologia, a Arqueologia ilustra estes textos. A Arqueologia nunca irá contrariar o sentido usual de interpretação destas fontes.

Os sepulcros cristãos e as catacumbas


História da sepultura cristã primitiva

=>Costumes romanos de sepultura
Já desde a época da República, a lei romana proibia a sepultura dos defuntos no recinto interno às muralhas da cidade, mas de alguma forma os protegia, ordenando que, mesmo aqueles que morressem condenados, poderiam ter seus restos retirados por seus parentes -neste fato se baseou a petição do corpo de Cristo por José de Arimateia- e declarando sagrado todo lugar que possuísse uma tumba: este lugar era inalienável para a administração pública e ficava sob a jurisdição imediata dos pontífices.

Em conformidade com a lei romana, situados ao longo das grandes estradas consulares e, geralmente, na imediata área suburbana daquele tempo, surgiram numerosos lugares de sepultamento familiares, gremiais ou de associações funerárias que, por uma quota paga em vida garantiam o enterro e a inviolabilidade da sepultura. Era essencial para amos e escravos, libertos e artesãos, “não falhar na saída”, e efetuá-la segundo as regras da arte.

=>As novidades cristãs
Na comunidade cristã a sepultura era a última forma de caridade para com os pobres. O Imperador Juliano atribui a expansão do cristianismo principalmente à filantropia para com os estrangeiros e a sepultura aos mortos. Ambas manifestações de caridade conjugavam-se com frequência porque os estrangeiros, distanciados de suas famílias e de seus países, às vezes sem parentes, não tinham ninguém que se encarregasse de seus funerais. Esta atitude cristã chamou a atenção dos pagãos, porque a Igreja não cuidava somente de enterrar os seus mortos, mas também cumpria este dever com todos os mortos que não possuíam sepultura, vítimas de calamidades públicas ou naufrágios.

Também existiam em Roma, naquela época, cemitérios a céu aberto, mas os cristãos, por diversos motivos, preferiram os cemitérios subterrâneos. Antes de tudo eles recusavam o uso pagão da cremação dos corpos. A exemplo da sepultura de Cristo, eles preferiam a inumação, por um senso de respeito para com o corpo destinado um dia à ressurreição dos mortos.
Esse sentimento vivo dos cristãos criou um problema de espaço, que influiu fortemente no desenvolvimento das catacumbas. Caso tivessem utilizado apenas cemitérios a céu aberto, o espaço disponível deveria exaurir-se em pouco tempo, visto que normalmente os cristãos não reutilizavam os sepulcros. As catacumbas - cemitérios subterrâneos - resolveram o problema de forma econômica, prática e segura. Como os primeiros cristãos eram, em sua maioria, gente pobre, essa forma de sepultura foi decisiva.
Existiram, entretanto, outros motivos que levaram à opção da escavação subterrânea. Era vivíssimo nos primeiros cristãos o sentido de comunidade: eles desejavam estar juntos também no "sono da morte". Além disso, esses lugares eram afastados permitindo, particularmente durante as perseguições, reuniões comunitárias reservadas e discretas e consentindo o livre uso dos símbolos cristãos.

A exploração e o estudo científico das catacumbas tiveram início, séculos depois, com Antonio Bosio (l575-l629), chamado de o "Colombo da Roma subterrânea". No século passado, a exploração sistemática das catacumbas, e particularmente das de São Calisto, foi realizada por Giovanni Battista de Rossi (1822-1894), considerado o fundador e pai da Arqueologia Cristã.

I. As catacumbas cristãs

=>Origem, estrutura e evolução
Os antigos cristãos não usavam o termo "catacumba". A palavra é de origem grega e significa "cavidade, um vale aberto". Os Romanos davam esse nome a uma localidade da Via Appia, onde existiam cavas para a extração de blocos de tufo,uma macia rocha vulcânica. Perto dali foram escavadas as catacumbas de São Sebastião. No século IX o termo foi estendido a todos os cemitérios com o significado específico de cemitério subterrâneo.

As catacumbas são formadas por galerias subterrâneas, parecendo verdadeiros labirintos e podem atingir no conjunto muitos quilômetros. Nas paredes de tufo desse intrincado sistema de galerias foram escavadas filas de nichos retangulares, chamados lóculos, de várias dimensões, que podiam conter um único cadáver, mas era frequente o caso que contivessem os corpos de duas e às vezes mais pessoas.
A sepultura dos primeiros cristãos era extremamente simples e pobre. Como Cristo, os cristãos eram envolvidos num lençol ou sudário, sem caixão. Os lóculos eram fechados em seguida com placas de mármore ou, na maioria dos casos, com telhas fixadas por argamassa. Sobre a placa escrevia-se às vezes o nome do defunto, com um símbolo cristão ou os votos de paz no céu. Com frequência eram colocadas junto aos sepulcros lamparinas a óleo ou pequenos vasos com perfume.
Pela sua colocação em filas sobrepostas umas sobre as outras, as sepulturas davam a ideia de um vasto dormitório, chamado cemitério, termo de origem grega que significa "lugar de repouso". Os cristãos queriam afirmar dessa forma a própria fé na ressurreição dos corpos.

=>Estrutura da catacumba
O terreno de Roma facilitava muito a escavação, por estar formado por estratos irregulares de tufo e argila.

Chega-se às catacumbas através das
Escadas – (catabaticum), com degraus muito altos. Para comunicação entre os diferentes níveis há mais galerias em rampas do que escadas.

Galerias – são estreitas, com teto plano ou escavado em abóbada de berço (de forma semicilíndrica)


Lóculos – escavados em geral nas superfícies verticais

Arcossólio, sepultura típica do terceiro e quarto séculos, é um nicho bastante grande, com um arco sobrestante. A placa de mármore era colocada horizontalmente. Em geral o arcossólio servia como sepultura para uma família inteira.

Sarcófago é um caixão de pedra ou mármore, ornado normalmente com esculturas em relevo ou com inscrições.

Cubículos - (o termo significa "câmaras"), eram pequenas salas, verdadeiros mausoléus familiares com capacidade para vários lóculos. Podiam abrir-se nas paredes das galerias. O uso de um mausoléu de família não era privilégio reservado aos ricos. Os cubículos e os arcossólios eram frequentemente decorados com afrescos que repetiam cenas bíblicas e que reproduziam os temas do Batismo, da Eucaristia e da Ressurreição, simbolizada no ciclo de Jonas.

Tumbas no chão: eram mais raras e devido ao desejo de ser enterrado mais perto de um santo

Poços: verticais para extrair o material de escavação – só no século IV e V

Lucernários: plantas quadradas e desenvolvimento vertical. Colocados sobre cubículos ou cruzamentos de galerias

=> Os fossários

A escavação das catacumbas era um trabalho exclusivo de uma associação especializada de trabalhadores, os "fossários" (serventuários eclesiásticos, encarregados do enterramento dos fiéis - Aurélio) . Eles escavavam as galerias uma após a outra à fraca luz de suas lamparinas e serviam-se, para transportar a terra à superfície, de cestos ou sacos passados através de claraboias abertas no teto das criptas, dos cubículos ou ao longo das galerias.

As claraboias eram longos poços que chegavam à superfície. Quando se concluía o trabalho de escavação, as claraboias eram deixadas abertas para que entrassem ar e luz, como condutores de ventilação e meios de iluminação.
As sepulturas dos mártires, os cubículos e também os arcossólios às vezes podiam ser decorados com pinturas feitas com a técnica do afresco. Os afrescos representam cenas bíblicas do Antigo e do Novo Testamento, algumas com estrito significado simbólico.
Em Roma existem mais de sessenta catacumbas, com centenas de quilômetros de galerias e dezenas de milhares de sepulturas. Encontram-se catacumbas cristãs também em Chiusi, Bolsena, Nápoles, na Sicília oriental e no Norte da África.

Os primeiros cristãos não sepultaram a própria fé e a vida debaixo da terra, mas viveram a vida comum dos povos na família, na sociedade, em todos os trabalhos, empregos e profissões. Deram testemunho da própria fé em todos os lugares, mas foi nas catacumbas que esses heróicos cristãos encontraram força e apoio para enfrentar as provas e perseguições, enquanto rezavam ao Senhor e invocavam a intercessão dos mártires.

O sistema de escavação subterrânea não foi inventado pelos cristãos, e não foi sequer causado pelas perseguições. As catacumbas eram simplesmente cemitérios coletivos cristãos, escavados na profundidade do terreno.

Os cristãos adotaram a técnica de escavação preexistente e desenvolveram-na em escala imensa, com uma vasta rede de galerias em níveis sobrepostos. Foi a solução para os problemas da sepultura para uma grande comunidade com um número sempre crescente de membros. Explica-se o rápido e enorme desenvolvimento de algumas catacumbas pelo culto dos mártires que eram aí sepultados, porque os cristãos insistiam em ter a sepultura junto às suas veneráveis sepulturas, a fim de garantirem para si a sua proteção.
As catacumbas continuaram a funcionar como cemitérios regulares até os inícios do século quinto, quando a Igreja voltou a sepultar exclusivamente acima da terra ou nas basílicas dedicadas a mártires importantes.

As catacumbas, pela importância que têm, são hoje visitadas por milhares de peregrinos de todas as partes do mundo. Devido ao precioso patrimônio de pinturas, inscrições, esculturas, etc. elas são consideradas autênticos arquivos da Igreja primitiva, que documentam os usos e costumes, os ritos e a doutrina cristã, como era então entendida, ensinada e praticada.

=> Administração eclesiástica: “No século II, o Papa Calisto quis pôr ordem nas catacumbas e instituiu uma administração eclesiástica especial, erigida por 7 diáconos. O séc. IV, S. Damásio, papa, restaurou algumas galerias que antes tinham sido enterradas para prevenir profanações nas perseguições, e mandou colocar inscrições em honra dos mártires mais venerados.

=> Abandono das catacumbas
Quando os bárbaros (Godos e Longobardos) invadiram a Itália e desceram até Roma, destruíram sistematicamente muitos monumentos e saquearam muitos lugares, inclusive as catacumbas. Impotentes diante das repetidas invasões, pelo final do oitavo e início do nono século, os papas fizeram transferir, por razões de segurança, as relíquias dos mártires e dos santos às igrejas da cidade.
Uma vez concluído o traslado das relíquias, as catacumbas não foram mais frequentadas, sendo totalmente abandonadas, com exceção das de São Sebastião, São Lourenço e São Pancrácio. Com o passar do tempo, os desabamentos e a vegetação obstruíram e esconderam as entradas das outras catacumbas, tanto que se perderam até mesmo os sinais delas. Durante toda a Idade Média não se sabia nem sequer onde se localizavam.

CATACUMBAS DE SÃO CALISTO

Percorrendo a via Appia Antiga encontram-se, a menos de um quilômetro da Porta de São Sebastião, a pequena igreja do "Quo Vadis?", em seguida as catacumbas de Pretestato e de São Sebastião e, mais além, o mausoléu de Cecília Metella.Ao centro dessa área arqueológica, encerrado entre as vias Appia Antiga, Ardeatina e o beco das Sette Chiese estende-se o "Complexo Calistiano", uma vasta área de mais ou menos "30 hectares" de terreno, dos quais uns quinze são catacumbas.

As galerias, às vezes em quatro planos superpostos, atingem o comprimento de 20 quilometros. As sepulturas são numerosíssimas, talvez meio milhão. O complexo é formado por vários núcleos cemiteriais que foram se estendendo aos poucos: o cemitério de São Calisto e as Criptas de Lucina, que se uniram com o tempo; o cemitérios de Santa Sotere, de São Marcos e de Marcelino e Dâmaso, e enfim o de Balbina. As Catacumbas de São Calisto, que estão entre as mais importantes e imponentes de quase sessenta catacumbas cristãs de Roma. Podem ser consideradas como "o berço da Cristandade e os arquivos da Igreja primitiva", porque ilustram a sua vida, usos e costumes e o Credo professado e testemunham o martírio dos primeiros cirstãos.
Originaram-se pela metade do séc. II, a partir de uma área funerária talvez pertencente à nobre família dos Cecílios e, nos inícios do século terceiro, passaram a depender diretamente da Igreja de Roma.
O papa São Zeferino (199-217) confiou a vigilância da incipiente catacumba ao diácono Calisto, para que a administrasse em nome da Igreja. Calisto devia superintender à escavação para que todos os fiéis, sobretudo os pobres e os escravos, pudessem ter uma sepultura digna. Quando Calisto foi eleito papa, aumentou o complexo funerário que recebeu o seu nome e tornou-se o cemitério oficial da Igreja de Roma.
Os núcleos mais antigos das catacumbas de São Calisto são as Criptas de Lucina e a Região chamada dos Papas e de S. Cecília, onde se conservam algumas das memórias mais sagradas do lugar (as criptas dos Papas e de S. Cecília e os Cubículos dos Sacramentos); as outras regiões são denominadas de S. Caio e de S. Eusébio (fins do século 3º), Ocidental (anterior à metade do séc. 4º) e Liberiana (segunda metade do séc. 4º).

CEMITÉRIO DE SÃO CALISTO (FOTO)
História: começa com certeza no séc. II com dois núcleos independentes , o que mais tarde serão a cripta dos Papas e a de Lucina. No séc. III foi ampliado com galerias e cubículos familiares até chegar , no inicio do século IV, a formar uma complexa rede de galerias, formando um só conjunto. Na primeira metade deste mesmo século houve uma ampliação que deu origem a uma porção de criptas de ornamentação muito cuidada
No apogeu do culto aos mártires, quando o cemitério já havia sido abandonado, construíram-se novas galerias que conduziam diretamente às criptas veneradas, fechando com muros seus encontros com as anteriores. Abandonado desde o século IX, perdeu-se a memória do cemitério até o descobrimento, em 1847, da cripta dos Papas, por João Battista Rossi, a quem pode-se outorgar o título de fundador da arqueologia cristã.

  • O NÍVEL DO SOLO
A área a céu aberto, preexistente às catacumbas, era ocupada por sepulturas pagãs ao longo das margens da via Appia. Em seguida, foram construídos mausoléus e pequenas basílicas, em cima ou ao lado das sepultaras dos mártires. Desses monumentos chegaram até nós apenas dois pequenos edifícios chamados "Trícoras", devido às três absides que formam a sua planta. (FOTO)
Provavelmente na "Trícora ocidental", foram sepultados próximos, embora em tempos diversos, o papa S. Zeferino e o jovem mártir da Eucaristia, S. Tarcísio, celebrado num poema do Papa Dâmaso (366-384), que assim recorda o seu martírio: "... Enquanto um celerado grupo de fanáticos lançava-se sobre Tarcísio, que levava a Eucaristia, para profaná-la, o jovem preferiu perder a vida a deixar o Corpo de Cristo aos cães As duas Trícoras foram restauradas e a oriental serve agora também como pequeno museu, que contém inscrições do cemitério e numerosos fragmentos de sarcófagos, que representam cenas do antigo e do novo Testamento. O mais importante é o sarcófago do Menino, assim chamado pelas suas dimensões reduzidas e que conserva a parte frontal ricamente esculpida (FOTO)Esse sarcófago pode ser considerado como um pequeno catecismo ilustrado. Eis as cenas: Noé com a pomba na arca, um profeta que segura o rolo da lei divina, Daniel na fossa dos leões, o menino orante entre dois santos, o milagre da Caná e a ressurreição de Lázaro. Ajoelhada aos pés de Jesus, a irmã de Lázaro, Maria. Ao centro da cobertura dois pequenos gênios seguram uma pequena placa; nas extremidades estão duas cabeças, esculpidas com finalidade ornamental. As cenas representadas no sarcófago deixam transparecer um profundo simbolismo e a sucessão das cenas não é casual. O cristão nasce à vida divina mediante o Batismo (Noé); nutre a vida divina com o pão (Abacuc) e o vinho (Caná) consagrados na Missa, ou seja, com a Comunhão; a Eucaristia oferece-lhe como penhor a ressurreição final (Lázaro). O cristão (o menino), assim, viverá no paraíso (orante).

  • O CEMITÉRIO SUBTERRÂNEO
Lugares mais significativos:
  • Escada de ingresso: Para descer às catacumbas toma-se uma moderna escada de ingresso, reconstruída em boa parte no lugar da anterior, do 4º século, aberta no tempo do papa Dâmaso para permitir que os peregrinos chegassem com facilidade às sepulturas dos mártires. Ao longo das paredes do primeiro trecho da escada foram fixados numerosos fragmentos de lápides que fechavam os lóculos.
  • Estátua do Bom Pastor: No patamar, onde a escada gira à direita, encontra-se uma estátua do Bom Pastor, cópia do original do século 4º, conservada nos Museus Vaticanos. O Bom Pastor com a ovelha nos ombros representa Cristo Salvador e a alma salva por Ele. É o símbolo mais frequente do amor de Cristo e o mais amado dos primeiros cristãos. Tinha para eles a mesma importância que o Crucifixo tem para nós.
  • Lápide de Agripina: Ao longo das paredes da escada estão fixadas algumas inscrições funerárias. Numa delas o dia da morte é chamado de "o dia em que a defunta entrou na luz" ("cuius dies inluxit"). "Agripina entregou (a alma a Deus)... Entrou na luz... deposta nos idos de...". O cristianismo soube transformar em luz o lúgubre conceito pagão de morte.
  • Os grafites: No final da escada, numa parede protegida por um vidro, tem início uma série de grafites, gravados com uma ponta de ferro na argamassa da parede. São nomes de pessoas, palavras ou também pequenas frases de invocação aos mártires, escritas pelos peregrinos durante a visita às catacumbas. Os grafites são frequentes perto das sepulturas dos mártires. Podem-se ler na parede externa da Cripta dos Papas, estas escrituras. "Ó S. Sisto, lembra-te em tuas orações de Aurélio Repentino..."; "Ó Santas Almas, recordai-vos de Marciano, de Sucesso, de Severo, e de todos os nossos irmãos"; "Felicio, PBR (presbítero) peccator" (Felício, sacerdote, pecador). Lê-se, ainda, a expressão admirada de um desconhecido cristão que compara a cripta dos Papas à Jerusalém celeste: "Jerusalém, cidade e ornamento dos mártires de Deus...".À esquerda encontra-se a abertura que introduz na cripta dos Papas.


  • A CRIPTA DOS PAPAS
É o lugar mais sagrado e importante destas catacumbas, descoberto em 1854 pelo grande Arqueólogo Giovanni Battista de Rossi e definido por ele como "o pequeno Vaticano, o monumento central de todas as necrópoles cristãs". A cripta teve origem no final do séc. 2º como um cubículo privado. Após a doação da área à Igreja de Roma, o cubículo foi reestruturado e transformado em cripta tornando-se o mausoléu dos papas do 3º século. De forma retangular, a cripta continha 4 nichos para sarcófagos e seis lóculos em cada lado; no total são 16 sepulturas, mais uma monumental na parede do fundo. Foram aí sepultados 9 Papas e 8 Bispos do séc. 3º. Estão fixadas nas paredes as lápides originais, quebradas e incompletas, de 5 Papas. Seus nomes estão escritos em grego, segundo o uso oficial da Igreja do tempo. Em 4 lápides, ao lado do nome do pontífice, há a qualificação de epi (scopos) = bispo, porque era o chefe da Igreja de Roma; e em duas lápides está a sigla MTR, ou seja, a abreviação de Mártir. Mártir significa testemunha. Foram chamados mártires os cristãos que testemunharam a fé de Cristo com o sangue. Os nomes dos Papas, escritos nas lápides, são estes:
  • São Ponciano (230-235), morreu mártir na Sardenha para onde tinha sido exilado e condenado a trabalhos forçados. Para não colocar em dificuldade a Igreja de Roma pela sua ausência definitiva, pouco depois de sua chegada à ilha, renunciou ao pontificado. Provavelmente o clima insalubre, o trabalho cansativo nas minas e os maus tratos apressaram o seu fim. Quando morreu, a Igreja considerou-o mártir. Alguns anos mais tarde os seus restos mortais foram transportados a Roma e sepultados em S. Calisto.
    Santo Antérote
  • Santo Antérote (235-236), de origem grega, teve um brevíssimo pontificado, de apenas 43 dias, transcorridos todos na prisão.
  • São Fabiano (236-250) era romano e fora eleito papa quando morreu S. Antérote. O seu serviço coincidiu com um período de paz religiosa. Foi um grande organizador da Igreja de Roma. Dividiu a cidade em 7 regiões eclesiásticas confiando a cada uma os seus "títulos" (paróquias), seu clero e suas catacumbas (cemitérios). Morreu decapitado durante a perseguição do imperador Décio.
  • São Lúcio I (253-254). Teve um pontificado breve: oito meses ao todo, transcorridos parte em Civitavecchia, para onde fora exilado.
  • Santo Eutiquiano (275-283), de Luni na Ligúria, foi o último dos nove Papas a serem sepultados nesta cripta.
  • O Papa Mártir Sisto II (257-258), definido por S. Cipriano "sacerdote bom e pacífico", é certamente um dos mártires mais ilustres desta catacumba. É o mártir por excelência das catacumbas. De fato, estava presidindo uma liturgia neste cemitério, quando foi surpreendido pelos soldados do imperador Valeriano em 6 de agosto de 258 e decapitado aí mesmo, no mesmo dia, junto com quatro diáconos.
Os poemas do Papa Dâmaso
Conservam-se unidos, na parede esquerda da Cripta dos Papas, dois fragmentos originais de um primeiro poema de S. Dâmaso, dedicado ao Papa Sisto II para celebrar o dia glorioso do seu martírio.

"No dia em que a espada (a perseguição)traspassou as piedosas vísceras da Mãe (a Igreja),eu (Sisto II), aqui colocado, como pastor (Papa)ensinava a palavra de Deus (as divinas Escrituras).Quando eis que, improvisamente, irrompem os soldados, que me arrancam para fora da cátedra (episcopal).Os fiéis ofereceram o pescoço à espada(isto é, os fiéis tentaram salvar o Papa às custas da própria vida).Mas apenas o Pastor percebeu que desejavam tirar-lhe a palma (do martírio), ofereceu-se a si mesmo e à sua cabeça por primeiro, não tolerando que o furor (pagão)fizesse mal aos demais. Cristo, que distribui a recompensa, tornou claro o mérito do Pastor, conservando ileso o número do rebanho."
Outros Papas aqui sepultados: Estêvão I (254-257), São Dionísio (259-268) e São Félix I (269-274), cujas lápides, porém, não foram encontradas. Papa Dâmaso, no quarto século, piedoso cultor dos Mártires, transformou a cripta em lugar de culto. Fez colocar nela um altar, do qual se conserva apenas a antiga base em mármore. Foram abertas claraboias no teto e colocaram-se colunas, que sustentavam uma arquitrave de onde pendiam lâmpadas e cruzes em honra dos Mártires. Muito interessante, do ponto de vista histórico, é a lápide que ainda se conserva em grande parte diante da sepultura do papa Sisto II. Foi feita gravar no mármore pelo Papa Dâmaso e contém um segundo poema, em hexâmetros latinos, que comemora os mártires e os fiéis sepultados na cripta e em todo o cemitério:

"Se o procuras, saibas que aqui repousa unida uma multidão de Bem-aventurados. As sepulturas venerandas conservam os corpos dos Santos, mas a casa real do celeste arrebatou para si as almas eleitas. Aqui, os companheiros de Sisto, que elevam os troféus vencidos ao inimigo. Aqui, o grupo de anciãos que velam os altares de Cristo. Aqui o Bispo que viveu em longa paz; aqui, os santos confessores (da fé) enviados da Grécia; aqui, jovens, meninos e velhos com seus castos descendentes, que preferiram conservar a própria pureza virginal.  Aqui, também eu, Dâmaso, confesso-o, gostaria de ter sido sepultado, mas tive receio de perturbar as cinzas santas dos Bem-aventurados".

"Os companheiros de Sisto" são os quatro diáconos: Januário, Magno, Vicente e Estêvão, que com ele padeceram o martírio. "O grupo dos anciãos" que guarda o altar de Cristo são, evidentemente, os Papas sepultados no cemitério. A expressão "o Bispo que viveu em longa paz" refere-se a um Papa que viveu antes das grandes perseguições desencadeadas por Diocleciano e Galério, entre o final do séc. 3º e os primeiros anos do séc. 4º: papa Fabiano, ou Dionísio ou Eutiquiano. Com "os santos confessores enviados da Grécia", alude-se provavelmente a um grupo de mártires: Hipólito, Paulino, Ádria, Eusébio, Maria, Marta e Marcelo, que foram sepultados neste complexo catacumbal. Por uma estreita passagem aberta à esquerda da parede de fundo da Cripta dos Papas entra-se na Cripta de Santa Cecília.

  • CRIPTA DE SANTA CECÍLIA (FOTO)
Abre-se na parede esquerda, em baixo, um grande nicho onde foi colocado o sarcófago contendo o corpo de Cecília, aí ficando até o ano 821, quando o Papa São Dâmaso I transportou-o à basílica a ela dedicada no Trastevere. A estátua, que se vê é uma cópia da célebre estátua de Stefano Maderno (1566-1636), esculpida em 1599, quando foi feito o reconhecimento dos restos mortais da santa. Ela foi encontrada na posição reproduzida pelo escultor. Maderno quis também realçar o corte da espada no pescoço e a posição dos dedos: três abertos na mão direita e um dedo aberto na esquerda. Segundo a tradição, a santa quis indicar a sua fé na Unidade e na Trindade de Deus. A cripta foi decorada com mosaicos e pinturas. Restam ainda algumas destas pinturas. Santa Cecília é representada na parede esquerda, em cima, perto do lugar de sua sepultura, em atitude de orante; embaixo, num pequeno nicho, encontra-se a imagem de Cristo "Pantocrátor" (Onipotente), que segura o Evangelho. Ao lado, está a imagem de Santo Urbano, papa e mártir, contemporâneo de S. Cecília, a ela unido no martírio. Admira-se, na boca da claraboia, uma cruz entre duas ovelhas e as imagens dos mártires Polícamo, Sebastião e Quirino. A cripta conserva numerosas inscrições. A mais importante, pelo belo testemunho de fé, é a de Setímio Frontone, de família senatorial. É em língua grega, datada do 3º século.
"Eu Setímio Frontone Pretestato Liciniano, servo de Deus, aqui repouso. Não me arrependerei (jamais) por ter vivido honestamente. Vou servir-te também no céu (Senhor),e darei graças ao teu Nome. Entreguei a minha alma a Deus aos 33 anos e 6 meses".

AS GALERIAS
Fora da cripta de S. Cecília, voltando à esquerda, chega-se a um deambulatório, que é um dos dois núcleos mais antigos do cemitério (galeria B). Ao final, passa-se à galeria C, onde encontra-se a pequena bela lápide de Augurino, com a pomba que tem um pequeno ramo de oliveira no bico (FOTO)

Chega-se por uma estreita passagem à galeria A, chamada dos Cubículos dos Sacramentos. Vêem-se algumas inscrições nas paredes. Leiamos uma delas:
"Ao querido Ciríaco filho dulcíssimo. Possas viver no Espírito Santo"
A estrutura das galerias e a disposição das sepulturas dão a impressão de um vasto dormitório, chamado pelos Cristãos de cemitério, que significa justamente lugar do sono, como veremos mais adiante, falando do cubículo do diácono Severo.

OS CUBÍCULOS DOS SACRAMENTOS
Encontramos na galeria A, à esquerda, cinco pequenas salas ou sepulturas familiares, chamadas de "os Cubículos dos Sacramentos", famosos e importantes pelos afrescos neles contidos, datáveis dos inícios do séc. 3º e que representam simbolicamente os sacramentos da iniciação cristã: Batismo e Eucaristia.

Com essas representações, os cristãos dos primeiros séculos queriam antes de tudo recordar o próprio catecumenato (preparação ao Batismo), e depois, deixar uma mensagem aos contemporâneos: eles tornaram-se cristãos pelo Batismo e perseveraram na vida cristã com a Comunhão frequente. Queriam também dizer aos familiares e a quantos visitassem suas sepulturas que, se tivessem feito uso dos mesmos meios, um dia haveriam de reunir-se novamente aos seus queridos.
  • O Batismo
Como ensinavam os Padres da Igreja em suas catequeses, esses meios de salvação foram já prefigurados no Antigo Testamento. Isso aparece claro no milagre de Moisés que faz brotar água da rocha para tirar a sede do seu povo no deserto (Ex 17,1-7). O Batismo de Jesus (Mt 3,13-17) também é uma prefiguração do batismo do cristão. Por isso, a cena de Jesus que se faz batizar por João no Jordão. Na parede de fundo do cubículo A2 está pintada a mais antiga cena do Batismo de um catecúmeno. O sacerdote com túnica e pálio coloca a mão direita sobre a cabeça do batizando, que tem os pés na água. Outras representações do Batismo são oferecidas pelo pescador, pela Samaritana ao poço e pelo paralítico da Piscina de Betesda.
  • A Eucaristia
Os primeiros cristãos preferiram representar em seus cubículos o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes (Jo 6,1-15) como símbolo da Eucaristia. Jesus, de fato, partindo desse milagre, promete um pão particular e diverso: o seu corpo (Jo 6,22-59). A cena da multiplicação dos pães repete-se sempre do mesmo modo: sete pessoas sentam-se ao redor de uma mesa. O número sete é simbólico e indica que todos são chamados por Deus à salvação. Sobre a mesa estão colocados dois ou três pratos com pães e peixes e, aos lados da mesa, estão os cestos de pão. 

  • O bíblico Jonas
Em todos esses cubículos aparece o profeta Jonas. Ele é o profeta mais querido dos primeiros cristãos, porque pregou a mensagem da salvação aos habitantes de Nínive, isto é, a pagãos, sendo pois símbolo da chamada à salvação de todos os homens indistintamente, judeus ou pagãos que fossem. Não nos esqueçamos que a maior parte dos fiéis sepultados neste cemitério vinham do paganismo. Além disso, é também símbolo de ressurreição. Jesus mesmo no Evangelho toma-o como figura dessa realidade: "Como Jonas permaneceu três dias e três noites no ventre do peixe, assim também o Filho do Homem ficará no coração da terra três dias e três noites, e depois ressuscitará" (Mt 12,40).
  • A escada dos mártires
Terminando a galeria dos Cubículos dos Sacramentos começa a escada dos Mártires, escavada na metade do séc. 2º, conservando ainda alguns degraus daquela época. É chamada "escada dos Mártires" porque por ela passaram os papas sepultados na bem próxima cripta. Segundo a tradição também o jovem Tarcísio descia por essa escada quando vinha rezar nas sepulturas dos mártires ou buscar a Eucaristia para levá-la aos cristãos nas prisões ou nas famílias durante o período de perseguições.

  • A REGIÃO chamada DO PAPA MILCÍADES
Através de uma passagem aberta na parede de fundo do cubículo A1 entra-se na região chamada de São Milcíades. A região foi escava na segunda metade do séc. 3º e contém muitos cubículos e arcossólios, também ao longo das galerias. A primeira galeria percorrida é bastante espaçosa. Ela era continuamente usada no período das visitas às sepulturas dos mártires, porque constituía uma passagem obrigatória dos antigos peregrinos das criptas dos Papas e de Santa Cecília à sepultura do papa mártir S. Cornélio nas criptas de Lucina. À parede esquerda, no início da galeria, veem-se alguns símbolos: a pomba, dois monogramas, o peixe, a âncora, o passarinho que vai saciar a sede num vaso. No ângulo da primeira galeria à esquerda estão duas lápides relativas a sacerdotes: "Julianus presbyter" e "Presbyter in pace" (Juliano sacerdote e Sacerdote em paz).
Logo após um cruzamento de galerias com uma ampla claraboia, vê-se à direita, no alto, a sugestiva lápide da fênix radiada e nimbada, ou seja, com os raios e a auréola ao redor da cabeça. Como explicamos falando dos símbolos, a fênix representava para os primeiros cristãos, a ressurreição da carne e o nascimento à nova vida divina. Observemos agora o primeiro arcossólio, que era às vezes, como neste caso, decorado. Sobre ele a pequena lápide de Irene, uma menina cristã representada como orante na paz do céu. Ao seu lado, o símbolo por excelência da paz: a pomba.

Documentário: As catacumbas

As sepulturas dos mártires


Existem dados literários extra arqueológicos contidos em atas, paixões, calendários, itinerários, Sacramentários, etc. que dão referências locais da situação dos restos dos mártires. Neste caso, pode-se dizer que a busca está dirigida e aqueles achados da escavação possuem uma interpretação preferível a qualquer outra: a que concorda com testemunhos já conhecidos. Se, ao se encontrar uma tumba, aparece nela uma inscrição que determina o nome de quem foi enterrado ali, a pesquisa sobre o mártir ali depositado termina, como é óbvio; mas esta circunstância raramente se dá na realidade, na maioria dos casos o que se encontra são indícios.
Uma primeira norma da interpretação e investigação destes indícios é: NÃO PEDIR AO MONUMENTO MAIS DO QUE ELE PODE PROPORCIONAR.

Assim, por exemplo, se nos encontramos diante da tumba de um mártir venerado sem nenhuma inscrição que contenha o seu nome, porque nunca a teve, somente encontrar-se-á restos desta veneração, isto é, um maior número de sepultamentos em sua volta, talvez restos de um altar, uma grande marca de fumaça no teto próximo a ela, destruição de outros elementos pelo passar do tempo, etc. 

Os cinco pontos fundamentais da pesquisa diante da tumba de um mártir de modo geral são: 
  1. A presença de uma capela ou basílica erigida sobre ou na proximidade da tumba, assim evidentemente diferenciada. Especialmente nos cemitérios romanos, depois da paz da igreja, construíram-se capelas subterrâneas, escadas e rampas de aceso, basílicas suspensas, sobre as tumbas veneradas dos mártires. 
  2. A existência de uma inscrição “in situ”. É de capital importância então o conteúdo do texto e o lugar onde se encontra o resto: se foi ali onde se colocou a origem, ou aparece em sua proximidade, como elemento inútil ou de aproveitamento; por exemplo, uma lousa com inscrições, aproveitada para o pavimento como material de preenchimento para alcançar um novo nível; certamente pode haver sido trazido de outro lugar, mas é mais provável que estivesse desde a sua origem, na área onde se encontra. 
  3. Grafites, inscrições dos visitantes sobre as paredes próximas à tumba, com invocações e petições dirigidas ao mártir, ainda que não tenham seu nome. 
  4. Que a tumba se ache rodeada, de uma forma notável, por outras muitas e, ao longo pelo menos uns cem anos. Se foi desejo de muitos ser enterrados o mais próximo possível do corpo deposto na primeira tumba, é sinal certo de sua veneração, mesmo que o motivo desta não fosse o martírio: também pode ser sua fama de santidade e, em não poucos casos, pode tratar-se da sepultura de um “confessor”, aquele que sofreu martírio sem morrer nele, ou terminou sua vida no desterro, depois da perda de seus bens, sua posição social e, não poucas vezes, sua família. É caso especial o daqueles condenados a trabalhar nas minas, numa situação pior que a de escravos, até a morte. 
  5. As pinturas de época mais antigas que possam acompanhar a tumba também são um dado, mas o mais incerto por mais contrário que isto possa parecer. Porque o limite da pintura cristã primitiva se cinge a cenas da Escritura, a ágape, aos orantes, a temas simbólicos, mas quase nunca hagiográficos, faz que o fato de que uma tumba esteja decorada não suponha em principio outra coisa que os meios econômicos e a veneração da família de quem aí está enterrado. 

2. Ritos funerários. O refrigério. Um costume grego, e sobretudo romano, foi o de oferecer sacrifícios e celebração de banquetes perto da tumba dos antepassados em determinados dias do ano ou no aniversário de algum parente morto recentemente: deste costume procedem muitos tipos de construção funerária, desde uma simples superfície lisa sobre o terreno, até verdadeiros triclínios decorados com afrescos, sem esquecer os mausoléus. Os coparticipantes desta celebração começavam pelas libações rituais, derramavam sobre o chão vinho, ou vinho e leite e em algum caso, introduziam comida sólida através de um tubo na mesma tumba, e imediatamente iniciava-se o epulum, o banquete. Isto aconteciam em datas que quase sempre tinha a ver com as colheitas. Este costume foi adotado pelo cristianismo primitivo mas foi carregado de um novo simbolismo e daí a palavra refrigeratio convive até hoje com “repouso”, “quietude”, “paz” em Cristo, quase sempre expressa no simbolismo do peixe, da pomba, etc. Depois da paz da igreja, este rito se degenerou e chegou a ser condenado na época de Santo Agostinho e Santo Ambrósio como abusivo; no ocidente parece desaparecer no século IV e, no Oriente, dura até o século XIII. 

3. O culto aos mártires. As relíquias. O culto aos mártires, em principio, procede do culto geral aos defuntos, mas imediatamente diferenciando a testemunha de Cristo, intercessor diante do Pai dos desejos e necessidades dos vivos. Seus restos são considerados como preciosos e custodiados com zelo; assim começa o culto às relíquias e o desejo de ser enterrado junto a elas. Na metade do século II aparecem os primeiros restos arqueológicos do culto aos mártires – monumento de Gaio – como veremos mais adiante – mas com certeza foi anterior, não sabemos quanto anos, à perseguição de Décio (248-251). Este culto aos mártires se manifestava de duas formas: o cuidado da sua sepultura e os atos litúrgicos em torno de sua relíquias. Já vimos que o adorno das tumbas com pinturas, etc., é comum em qualquer tipo de sepultura. Assim como colocar luzes diante dela, ou flores, ou derramar perfumes, etc. Em troca, somente se faz com um mártir, o costume de tocar a tumba com objetos que depois se conservarão como relíquias, especialmente pedaços de pano, chamados brandea, palliola, sanctuaria e nomina. Dão fé deste costume muitos escritores eclesiásticos, entre eles, São Gregório Magno. 
Ler:  (Daniel Rops I – pg.502) – Tipos de martírios – Rops 1, 393 - Ler

 


As sepulturas dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo

1.  Tradição e fontes literárias e epigráficas sobre a presença e morte em Roma dos fundadores da Igreja Romana

2.  As catacumbas de São Sebastião: a Memoria Apostolorum

3.  Os scavi sob a Basílica Vaticana

4.    Hipóteses sobre as relíquias de São Pedro

5.  A tumba de São Paulo

 

1. Tradição e fontes literárias e epigráficas sobre a presença e morte em Roma dos fundadores da Igreja Romana

a) Fontes Epigráficas: os resultados positivos das escavações realizadas entre 1940 e 1949 encontraram duas dificuldades: ausência do nome de Pedro nos grafitos traçados pelos visitantes e ausência dos ossos de São Pedro no local subterrâneo que tudo levava a considerar como sendo sua sepultura original. Já em 1951 foi encontrado um fragmento de argamassa proveniente do muro vermelho, com o nome de Pedro, em grego com os dizeres "Pedro está aqui dentro". Há outro grafito mutilado no muro vermelho que também em grego diz: "Salve Apóstolo!". No exterior do muro há grafitos de 290 e 315, criptogramas* significando a relação especial entre Pedro e Cristo e também as chaves prometidas por Jesus a Pedro. Há uma aclamação que exclama: "Vitória a Cristo, a Maria e a Pedro! "

 

b)     Tradição: Visitando as catacumbas, entra-se em contato com sugestivas marcas do cristianismo dos primeiros séculos e pode-se, por assim dizer, tocar com as mãos a fé que animava aquelas antigas comunidades cristãs. Nota-se que desde o início do cristianismo, os cristãos amaram as catacumbas, mesmo quando depois das invasões bárbaras as catacumbas conheceram uma espécie de abandono forçado. Algumas delas, no entanto, permaneceram meta ininterrupta de peregrinações. Acredita também a tradição, que os crânios venerados na basílica de São João de Latrão são os de São Pedro e São Paulo, sem, porém, podermos confirmar a sua veracidade.

 

Fontes literárias: Não se encontram fontes literárias contemporâneas aos sepultamentos dos apóstolos Pedro e Paulo, entretanto sabe-se que as catacumbas se iniciaram, segundo o Líber pontificalis, nas criptas do Vaticano, onde o Papa Anacleto, sucessor de Clemente, construiu e adornou o monumento do bem-aventurado Pedro e preparou um lugar de sepultura para os bispos que viriam depois dele, onde foram enterrados efetivamente até o ano 203. Durante a perseguição de Valeriano, o corpo de São Pedro se ocultou no cemitério de São Sebastião ad catacumbas, levado novamente ao Vaticano, após as escavações iniciadas em 1950 quando se encontrou a tumba de São Pedro, junto à antiga necrópole com ricos mausoléus do século II. Sobre a tumba de São Paulo sabe-se que, devido aos estudos levados a cabo especialmente sob impulso do Papa Paulo VI, esteve na Via Ostiense e no cemitério de Lucina, onde se elevou um oratório no século I, destruído em 303, substituído por uma basílica constantiniana no ano 324 ou 325.

 

2. As catacumbas de São Sebastião: a "memória Apostolorum".

As catacumbas de São Sebastião são também conhecidas com o nome de "ad catacumbas", localizam-se na Via Apia em frente ao Circo de Magêncio. Pergunta-se qual a relação dessas catacumbas quanto a sepultura dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, uma vez que vários estudos constatam que seus corpos não se encontram enterrados aí. É o que procuraremos explicar daqui por diante.

Se formos analisar os dados literários, percebe-se pelos mesmos que há incertezas quanto à localização dos corpos de São Pedro e São Paulo. Quanto a São Pedro, deduz-se que poderia estar situado no Vaticano ou nas catacumbas de São Sebastião. Já buscando a localização de São Paulo, este poderia estar ou na Vila Ostiense ou também nas catacumbas de São Sebastião. Isso se deve ao fato das atas dos mártires e calendários da época terem sido estudados. Eles indicam a localização das comemorações desses Apóstolos. Sabendo que o costume era de se comemorar a festa no local onde se encontram as relíquias dos cristãos celebrados, as provas literárias deixam dúvidas por nelas constarem mais que um local de comemoração. O que realmente essas provas levam a pensar é que os dois corpos referidos estiveram em torno de quarenta anos enterrados nas catacumbas de São Sebastião. Por que razão estariam eles enterrados em determinada época num local e depois se mudariam para outro? Por que, antes ainda, teriam sido transferidos para as catacumbas de São Sebastião de seus lugares originais? Sabe-se do decreto de Valeriano, que tirava a imunidade das violações das tumbas, o que possivelmente deixou os cristãos temerosos quanto aos sepulcros desses dois santos.

Faz falta obter mais dados estudando as informações arqueológicas que podemos ter da época.

Enfocando-se, portanto, a questão agora do ponto de vista arqueológico, pode-se saber o seguinte:

 

No século I, havia na Via Apia um arenário utilizado como necrópole pagã. Originariamente se acreditou que aí tivessem sido enterrados São Pedro e São Paulo, o que foi logo descartado pela ausência de símbolos cristãos na época.

Até o século III, com as novas construções aí feitas, pode-se concluir que esse cemitério foi se tornando cristão. Não se sabe o porquê das novas construções que são feitas sobre as catacumbas já existentes: o fato é que se constatam que essas construções são ulteriores e apresentam símbolos cristãos, o que nos faz chegar à conclusão apresentada. Até aí não se observam provas arqueológicas de que, neste local, estiveram São Pedro e São Paulo.

 

No entanto, no ano 250, observa-se um fato interessante: todo o complexo, ainda em uso, é aterrado, sendo sobre ele levantado um monumento de culto aos Apóstolos isento de tumbas. Como se explica isso? Sabe-se também que, mais adiante, no século IV, Constantino constrói neste mesmo local a Basílica dos Apóstolos. São dados arqueológicos surpreendentes pois, atualmente, não se encontram provas que constatem a localização desses dois Apóstolos aí. O que poderia ter acontecido?

Tudo isso leva a pensar que, em determinado momento da história, essas catacumbas contiveram as relíquias dos dois Apóstolos, que para aí teriam sido transladados devido a perseguições entre os séculos II e VIII. Perseguições como as das épocas dos imperadores Décio e Valério, que autorizavam a violação e profanação dos sepulcros.

Quanto a São Pedro, as provas arqueológicas apontam para a seguinte probabilidade: devido a essas perseguições, sua cabeça teria sido transladada do Vaticano para as catacumbas de São Sebastião: assim se concebia que este local, agora com a presença da cabeça do mártir, era tido também como lugar de culto e veneração a ele, assim como o Vaticano continuaria sendo local do mesmo culto e veneração, uma vez que continha o resto do seu corpo. Isso coincide com as provas literárias antes vistas.

Posteriormente, novos estudos arqueológicos levantaram a hipótese da cabeça de São Pedro ter sido outra vez transladada retornando ao Vaticano, só que, desta vez, sepultada em lugar diferente do seu corpo. A razão disso seriam perseguições visando as catacumbas de São Sebastião, ocorridas nos anos seguintes, devido à fama que este local foi adquirindo pelos cristãos e percebida pelos perseguidores.

 

Aí estão, portanto, as conclusões tiradas dos estudos feitos em torno aos sepulcros de São Pedro e São Paulo em relação às catacumbas de São Sebastião.

 

3. As escavações (scavi) sob a Basílica Vaticana

A antiquíssima tradição, que dizia estar São Pedro sepultado debaixo do altar da Basílica Vaticana, foi confirmada pelo resultado das escavações arqueológicas realizadas no pontificado de Pio XII. Mais tarde, foram estudados os numerosos grafites, testemunhos da devoção e da convicção de numerosos peregrinos que visitaram o túmulo do Apóstolo antes da construção da Basílica Constantiniana. Estudaram-se também cientificamente os restos mortais, os ossos, encontrados e reconhecidos, o primeiro Papa.

Em 1979, João Paulo II mandou abrir comunicação entre as grutas velhas e a confissão da Basílica, a fim de que os peregrinos vissem melhor o Sepulcro de Pedro e o seu mosaico do século IX que mostra Jesus abençoando: uma das bênçãos é, sem dúvida o cuidado que teve com a sepultura de seu primeiro Vigário. As escavações se iniciaram a partir da descoberta da existência de construções mais fundas ao ser colocado nas grutas da Basílica o túmulo de Pio XI (morto em 1935).

 

A exploração foi realizada durante os anos de 1939 a 1950 e de 1953 a 1957. Ficaram a vista 24 mausoléus pagãos do século II, todos adornados no interior com pinturas ou mosaicos, além de estuques (decoração feita em gesso).

Encontraram-se também sepulturas do século I. Os mausoléus contêm alguns enterramentos cristãos do século 111. Em um deles se encontra uma inscrição singular. Com alguns espaços reconstituídos forma a frase:

 

PETRUS ROGA IESUS CHRISTUS PRO SANCTIS
HOMINIBUS CHRESTIANIS AD CORPUS SUUM SEPULTIS

 

Muitos mausoléus do século II eram de pagãos. Podemos afirmar que a colina vaticana (local sob a Basílica Vaticana) continha uma necrópole pagã em pleno funcionamento na época apostólica. Nesta necrópole, em uma tumba humilde foi encontrado São Pedro.

 

b) Sucessão histórica

 

1º período:

Segundo o testemunho dos mais antigos escritores cristãos, Pedro morreu crucificado. Orígenes afirma que o Santo rogou para que lhe pusessem de cabeça para baixo. Os Atos de Pedro, livro apócrifo, mas não destituído de valor histórico, indicam que foi executado junto ao Obelisco de Nero. Acredita-se que isso aconteceu na perseguição do ano de 64 ou 67.

 

Na colina Vaticana havia um cemitério onde se acredita que foi o sepultamento de São Pedro. Nos anos posteriores fizeram-se outros sepultamentos muito próximos ao de São Pedro, o que mostra o desejo que tinham os primeiros cristãos de serem enterrados próximos a seu primeiro Papa. Os sepultamentos são sempre próximos e nunca sobre a tumba.

 

No século II foram surgindo os mausoléus em torno a São Pedro. Posteriormente é construído um muro que, pelo reboco que possui é chamado Muro Vermelho. Ele se curva para formar um poço para as relíquias da tumba de São Pedro. Coloca-se também uma lousa, formando uma mesa. Este monumento foi identificado como "Troféu de Gaio.

 

Segundo Eusébio de Cesaréia, Gaio foi um presbítero que o edificou sobre o sepulcro de São Pedro. Encontrou-se um grafite no Muro Vermelho com o nome quase seguro de PETRUS. É dos finais do século II ou começos do século III.

 

2° período:

Esse monumento permanece assim alguns anos. No século III levanta-se outro Muro para reforçar o Muro Vermelho, e mais tarde outro muro. As paredes se cobriam com mármore branco e o solo com mosaicos. No século III o muro se enche de inscrições dos que visitam a tumba. Construiu-se uma urna revestida de mármore. Acredita-se que aí foi colocado o crânio de São Pedro depois do translado do cemitério "ad catacumbas".

 

3° período,: (séc. IV).

Depois da construção da Basílica do Salvador no Laterano, a Igreja e Constantino decidiram construir outra dedicada a São Pedro, no Vaticano. O local era impróprio pois seria sobre um cemitério que estava em pleno uso e tinha ricos mausoléus pagãos. A área foi nivelada sendo determinada pelo Muro Vermelho. Tudo o que se quis conservar se cobriu com uma abóbada sobre uma edícula retangular. Aí se construiu o presbitério da nova basílica. Um baldaquino cobriu o lugar.

O templo foi acrescentado e reconstruído várias vezes entre o século V e o ano de 1400.

 

4. Hipóteses sobre as relíquias de São Pedro

No vão de um dos muros foram encontrados ossos, pedaços de roupa vermelha, terra, fiapos de tecido de púrpura com fios de ouro, uma moeda e lascas de mármore.

Os ossos foram estudados mais tarde e análise antropológica provou tratar-se de quase metade dos ossos de um mesmo indivíduo, robusto, de uns 60-70 anos, com frontal volumoso, quase sem dúvida homem, e não mulher.

 

O estudo microscópico e a análise química disseram serem autênticos os fios de ouro. Como aparecem vestígios de púrpura em alguns ossos, concluiu-se que o brocado de ouro os envolveu: sinal de veneração e muito respeito. O estudo mineralógico provou serem as lascas de mármore etnograficamente idênticas às do interior do vão, e ser a terra que aderia aos ossos, igual à dos alicerces do Muro Vermelho, qualidade da terra, aliás, só descoberta neste ponto do solo romano. E, se os ossos se apresentam com terra, concluiu-se terem eles vindo primeiramente de um coral humilde e não de um sarcófago fechado.

Conclusão: os ossos encontrados no vão do muro são de São Pedro. Assim se explica o porquê do túmulo ter sido encontrado vazio. “Vazio porque Constantino levantou os ossos acima da sepultura primitiva, quer os encontrasse In situ”. Quer restituídos do "ad catacumbas", como vimos. Colocou-os no vão, mandando então cavar no muro pré­-constantiniano, subtraindo-os assim à umidade, a profanadores ou a devotos indiscretos.

É importante salientar um detalhe: é possível que os restos mortais de S. Pedro tenham sido transladados para "ad catacumbas" quando Valeriano proibiu em 258 as reuniões dos cristãos nos cemitérios, e em 336 foram restituídos ao Vaticano.

5. A tumba de São Paulo

a) Segunda prisão em Roma e Martírio (66-67 d.0 ?)

·          São Paulo esteve novamente preso em Roma, talvez no outono de 66 d. C. (cfr. 11 Tim 4, 9.21, quando São Paulo convida Timóteo a unir-se a ele antes do inverno).

·          Ficou preso em um cárcere público com delinquentes comuns e mantém seu interesse pelas igrejas e pelo apostolado (cfr. 11 Tim 4,11).

Foi decapitado como cidadão comum junto a Tre Fontane (Acquae Salviae). Segundo a tradição, a execução provavelmente ocorreu no ano 67 d.C, durante a perseguição de Nero.

b) Exploração do Arquiteto Vespigniani (ano 1833)

·          Este arquiteto reconstruiu o altar papal e deixou uma descrição e um desenho muito deficiente, do qual se pode deduzir:

1.    Em uma área cemiterial usada nos séculos 1 a III, talvez no solo do columbário deste cemitério foi depositado o corpo de São Paulo.

2.    Havia um muro de "opus reticolatum”2 que protegia a tumba possivelmente com uma grade de ferro.

3.    Foram encontradas duas inscrições neste muro: "salus populi" datada da metade do século e outra, de duas partes, colocada a 1,57 cm sob o altar maior, fazendo de cobertura de um vão subterrâneo onde está inscrito: "Paulo Apostolmart".


4.      Também foram encontrados três buracos sobre a inscrição PAULO feitos depois porque se vê que atravessam as letras. O buraco redondo parece possuir uma tampa: existem três marcas onde pode ter sido fixado ou uma peça. Três poços de uso desconhecido comunicam estes três buracos. O buraco redondo pode corresponder a uma passagem até a tumba de São Paulo.

5.   A placa de mármore da tumba é da época constantiniana, segundo Rossi e Stevenson – ou da Teodosiana, segundo opinião mais segura.

c) Conclusão: São escassos os dados literários sobre a tumba de São Paulo: espera-se que algum dia este monumento seja explorado. A Tradição afirma que esta basílica, antes denominada dos "três Imperadores" conteve os restos do "Apóstolo das Gentes". Agora se denomina "São Paulo Extramuros .

 

 

https://www.youtube.com/watch?v=BhhEKl9dIeA

 

https://www.youtube.com/watch?v=_y8wVb6diSY

 

https://www.youtube.com/watch?v=i_XoP4x3DLI

https://www.youtube.com/watch?v=aQNchugB3hc